Em 2021, Rebeca Andrade conquistou a medalha prata nos Jogos Olímpicos de Tóquio e se tornou a primeira medalhista olímpica da ginástica feminina brasileira. Em 2005, Daiane dos Santos se tornou a primeira brasileira a conquistar uma medalha de ouro em Campeonatos Mundiais da modalidade.
Embora separados por quase duas décadas, as duas realizações levam para um ponto único: o aumento da representatividade dos negros em uma modalidade que ainda luta para se popularizar. Esse é o principal consenso entre estudiosos da questão racial no Brasil.
A relação de continuidade entre os feitos das duas ginastas foi observada pela própria Daiane. Em um discurso emocionado, logo após a conquista de Rebeca, ela destacou a importância das duas realizações para as mulheres negras do País.
“A primeira medalha de ouro do Brasil em Mundiais foi negra. E agora a gente tem a primeira medalha olímpica da ginástica artística brasileira também com uma negra. Isso é muito forte”, disse Daiane, chorando durante a transmissão. “Durante muito tempo, disseram que as pessoas negras não poderiam fazer alguns esportes. A primeira medalha foi de uma negra. Existe uma representatividade muito grande atrás disso”, completou.
É preciso lembrar que, além das conquistas de Daiane e Rebeca, está o feito de Daniele Hypolito, que foi a primeira brasileira a conquistar uma medalha em Mundiais, uma prata no solo de 2001.
“A Rebeca se inspirou na Daiane para ser campeã. Ela quis chegar aonde a Daiane chegou. Aí entra a questão da representatividade e a importância de mostrar para as crianças negras que elas podem chegar aonde elas quiserem. Durante muitos anos, a comunidade negra brasileira teve certa carência de exemplos. É importante perceber o significado dessa vitória”, opina o pesquisador Marcelo Carvalho, presidente do Observatório da Discriminação Racial.
Essa é a mesma visão do professor Amailton Azevedo, da Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP). “O discurso de Daiane emite uma mensagem positiva para uma parcela significativa da população, em especial, para as meninas adolescentes das camadas populares e mais vulneráveis, socialmente”, observa o autor do livro As micro-áfricas em São Paulo.
Um dos autores do curso “Esporte Antirracista”, oferecido pelo Comitê Olímpico do Brasil para os atletas, o professor Tiago Vinícius André dos Santos lembra o racismo estrutural. “Daiane se refere ao fato de que os negros eram supervalorizados para determinados papéis relacionadas ao esforço físico. No esporte, o atletismo seria o seu lugar mais apropriado. Enquanto é possível praticá-lo mesmo descalço, a esgrima, natação, tênis ou vela exigem a inscrição em um clube ou algo assim”, explica o professor de Direito da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul.
A questão racial é delicada na ginástica, como lembra o cientista social e historiador Marcel Tonini, que cita um caso de repercussão nacional. O ginasta Ângelo Assumpção, que já foi uma das promessas da modalidade, está desempregado há quase um ano. Em novembro do ano passado, ele foi demitido do Esporte Clube Pinheiros e afirma que foi alvo de racismo dentro do clube.
“Esta medalha de Rebeca também é do Ângelo Assumpção, que, embora campeão de salto na Copa do Mundo de Ginástica em 2015, foi banido pelos poucos clubes, em torno de 20 apenas, do Brasil por denunciar o racismo sofrido ao longo de anos. Por esse motivo, também, o feito de Rebeca é ainda maior”, afirma. “Não nos esqueçamos que este esporte é elitista, com presença pobre e negra sendo contada nos dedos, em sua maioria fomentada pelo programa Bolsa Atleta, do Governo Federal”, completa o doutor em História Social pela USP.
Para o estudioso, a manutenção de políticas de incentivo ao esporte e a adoção de outras de ação afirmativa, como cotas raciais, sociais, de inclusão, vai diminuir a desigualdade de acesso, permanência e resultados nas mais diferentes modalidades. “Quando tivermos dirigentes negros, a estrutura será abalada. Casos como os de Aline Pellegrino, no futebol, são ainda raríssimos e muito pontuais”, completa.
ae