Justiça condena sócios da boate Kiss e integrantes de banda por 242 mortes

Após quase nove anos do incêndio que deixou 242 mortos na boate Kiss, a Justiça condenou nesta sexta-feira (10) por homicídio doloso os quatro réus apontados como responsáveis pela tragédia.

O sócio da boate Elissandro Spohr foi condenado a uma pena de 22 anos e seis meses. O outro sócio, Mauro Hoffmann, foi condenado a 19 anos e 6 meses. O vocalista da banda que tocava na boate na noite da tragédia, Marcelo de Jesus dos Santos, foi condenado a 18 anos, assim como o produtor de eventos que trabalhava para a banda, Luciano Bonilha.

O cumprimento será inicialmente em regime fechado. Um habeas corpus obtido por Spohr, no entanto, impediu que ele e os demais condenados saíssem presos do fórum de Porto Alegre. O Ministério Público afirmou que se necessário irá trabalhar para agilizar o trânsito em julgado da sentença para que os réus “possam ser recolhidos o mais rápido possível”.

Apesar disso, as famílias das vítimas ficaram emocionadas com o resultado da condenação, que foi também muito comemorado pela Promotoria (acusação).

Dez dias

Durante os dez dias de um dos maiores julgamentos do país e o maior da história do Rio Grande do Sul, o tribunal do júri ouviu 32 pessoas, sendo 28 testemunhas e os quatro réus acusados por homicídio simples com dolo eventual. Segundo o Ministério Público, eles assumiram o risco de causar mortes ao não prevenir a possibilidade de incêndio e agir em desacordo com a legislação.

Entre os elementos destacados pela acusação no julgamento estão a superlotação da Kiss na noite da tragédia; o uso de uma espuma no teto para isolamento acústico e que, com o incêndio, liberou gases tóxicos, provocando a maioria das mortes; e o uso e manejo irregulares pela banda Gurizada Fandangueira de artefatos pirotécnicos em ambiente fechado, entre outros pontos.

Ao ler a sentença, o juiz Orlando Faccini Neto afirmou que apesar das penas altas, os réus condenados ainda terão tempo para experimentar a vida, direito que não poderá ser exercido pelas vítimas do incêndio. “Esse muito [tempo de vida em liberdade] não lhes foi retirado por acaso”, disse o juiz, citando o total de anos perdidos pelas vítimas, considerando a expectativa média do brasileiro. “São mais de 9 mil anos de vida perdidos. As consequências são gravíssimas para a cidade de Santa Maria”, afirmou.

O advogado e assistente de acusação David Medina disse que o julgamento é um marco na história dos tribunais. “Um dos pilares da democracia é a soberania popular, os cidadãos e cidadãs intervindo e fazendo coisas, balizando esse tipo de situação. Conseguimos conscientizar da importância da decisão que eles vão tomar”, afirmou ele durante a etapa de réplica.

A promotora de justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Lúcia Helena Callegari, disse que o resultado impacta na forma como todos os proprietários administram as casas noturnas no país. “Esse júri vai trazer a responsabilidade para todos nós. Tenho certeza de que todas as casas depois do dia de hoje vão repensar suas responsabilidades”, afirmou. “A gente tem que mudar os nossos conceitos de vida, aprender a olhar luzes, saídas, cartazes.”

A tragédia

A tragédia ocorreu na noite do dia 27 de janeiro de 2013 na boate Kiss, na cidade de Santa Maria. A casa noturna promovia a festa universitária “Agromerados”, com a apresentação da banda Gurizada Fandangueira. Durante a festa, o produtor de eventos do grupo, Luciano Bonilha, acendeu um artefato pirotécnico que estava na mão do então vocalista Marcelo de Jesus dos Santos. O fogo atingiu parte do teto do estabelecimento e causou a morte de 242 pessoas. Outras 636 ficaram feridas.

As responsabilidades foram apuradas em seis processos judiciais. O principal tramitou na 1ª Vara Criminal da Comarca, foi dividido e originou outros dois. No processo criminal, os empresários e sócios da boate Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, o vocalista Marcelo e o produtor musical Luciano respondem por homicídio simples com dolo eventual.

Nesta sexta-feira, os quatro réus foram jugados por um Conselho de Sentença, constituído por sete jurados, no plenário do Foro Central I de Porto Alegre.

O julgamento ocorre na capital gaúcha porque foi concedido em 2020 um desaforamento – transferência de julgamento para outra comarca – aos réus Elissandro, Mauro e Marcelo. Somente Luciano não teve interesse na troca. No entanto, o TJ-RS determinou que ele se juntasse aos outros em um único julgamento.

 

 

zh

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