A Operação Terra Desolata, da Polícia Federal, desbaratou uma organização criminosa que envolve dezenas de empresas, cooperativas e funcionários fantasmas para um esquema de extração ilegal e venda de ouro para o exterior, como o Estadão. A escolha do nome da operação, em outubro, não foi mera citação à expressão italiana que significa “Terra Devastada”. Um dos principais elos da quadrilha é a atuação de uma família de italianos que atua há décadas no comércio de ouro.
Pai e filho, Mauro Dogi e Giacomo Dogi chegaram a adiantar dezenas de milhões a agentes do garimpo, para receber depois a mercadoria retirada ilegalmente da terra indígena Kaiapó, no sul do Pará.
O inquérito aponta que a empresa da família Dogi, a CHM do Brasil, sediada em Goiânia, fez 3.179 operações de compra de joias, pedras e metais preciosos no período de cinco anos entre setembro de 2015 a setembro de 2020, movimentando mais de R$ 2,142 bilhões.
O Estadão tentou contato com os citados na reportagem. Eles cumprem prisão preventiva. Foram procurados, portanto, os advogados, que também não foram encontrados ou não se manifestaram. Mauro Dogi não foi preso na operação, mas a reportagem também não conseguiu contato com ele. Além disso, o Estadão não conseguiu contato com a empresa CHM do Brasil.
Só para garimpeiros do Sul do Pará, os quais raramente têm o documento de permissão de lavra garimpeira, a empresa desembolsou nada menos que R$ 246,5 milhões no período, valor que corresponde a cerca de mil quilos de ouro extraído de forma ilegal.
O negócio era viabilizado por meio da empresa CHM do Brasil Metais, que tem sede em Goiânia, e sua parceira diretamente na Itália, a empresa Chimet SPA Recuperadora e Beneficiadora de Metais, conhecida mundialmente em recuperação e refino de metais preciosos. É uma parceria de décadas. Mauro Dogi, que fundou a CHM do Brasil, e trabalhou antes para a Chimet.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) levantou que a italiana Chimet SPA remeteu à CHM do Brasil mais de R$ 2,106 bilhões. A Chimet SPA foi acionada pelo Estadão, mas não se manifestou.
ANTECEDENTES
Conforme a investigação, os nomes de Mauro e Giacomo não são novidade em inquéritos policiais. Ambos têm antecedentes criminais ligados a comércio ilegal de minério e já foram citados como principais destinatários do ouro ilegal extraído de terras indígenas da região de Cumaru do Norte, no Pará.
A negociação para compra de ouro incluía uma série de empresas e pessoas, mas dois intermediários se destacavam: os irmãos Walterly Guedes Pereira dos Santos e Vergelina Pereira dos Santos. A confiança dos italianos nas operações com Walterly era tanta que, em dois anos e quatro meses, o investigado recebeu diretamente da empresa CHM do Brasil, em 102 operações, mais de R$ 14,5 milhões como “antecipação para entrega de mercadoria futura” de joias, pedras e metais preciosos”.
O problema é que nem Walterly, sua irmã ou sua empresa, a W.G.P. dos Santos Comércio de Metais, tem autorização de compra e venda de ouro ou permissão de lavra garimpeira, além de não serem classificados como Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM). Ou seja: não têm condição para realizar atividades relacionadas ao comércio de minério e metais preciosos.
A PF concluiu que Vergelina atuava como braço operacional do irmão. O Coaf identificou que ela fez 142 saques nas contas bancárias de Walterly, em 20 meses, com movimentação de mais de R$ 16,175 milhões. Os saques, em sua maioria, se destinavam a pagamentos a fornecedores. As exportações eram feitas, muitas vezes, em voos privados, sem conhecimento das autoridades nem passar pelo Sistema Integrado de Comércio Exterior.
O Estadão não conseguiu contato com os investigados Giacomo Dogi, Walterly Guedes Pereira dos Santos e Vergelina Pereira dos Santos.