Ômicron parece branda, mas é cedo para saber se será a variante definitiva

A aparente menor letalidade da variante ômicron, que transparece no momento em que a vacinação tem cobertura relativamente boa no Brasil, parece tranquilizar a população.

 

O momento, porém, pode ser mais complexo do que se vislumbra, com chance de surgimento de novas variantes e de aumento no número de mortes.

Você, neste momento, provavelmente tem inúmeros conhecidos contaminados com Covid. Os comentários em redes sociais são constantes, muitas vezes acompanhados de observações de que os sintomas são leves, graças às vacinas.

Sem dúvida, as vacinas têm cumprido bem o seu papel –pelo menos onde estão disponíveis no mundo– e diminuído a chance de casos graves e mortes. Mas isso não quer dizer que pegar Covid agora seja algo desprovido de preocupação. Longe disso.

A expansão da ômicron é gritante e ela reina sobre as outras variantes por onde passa. Por causa da nova cepa, o mundo vem registrando números próximos a 2 milhões de casos por dia, quantidade muito superior à das ondas anteriores da doença. E esse incrível potencial de disseminação traz riscos.

De imediato, é possível fazer um paralelo com o início da pandemia, quando se falava que toda a população era susceptível ao Sars-CoV-2 e, portanto, poderia ocorrer uma avalanche de contaminações (que aconteceu) que, logicamente, levaria à sobrecarga dos sistemas de saúde (também aconteceu).

Com o passar das variantes, com pessoas infectadas e recuperadas, e com vacinas, esse temor de escala macro diminuiu, mas a ômicron parece caminhar muito bem mesmo entre populações vacinadas, além de ter capacidade de provocar reinfecções.

Fernando Spilki, professor da Universidade Feevale e coordenador da Rede Corona-ômica, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, destaca que, mesmo que a ômicron cause quadros menos graves, a disseminação é tamanha que pode pressionar o sistema de saúde –como já ocorre nos EUA e no Reino Unido.

“Tem algumas pessoas falando que talvez fosse o momento para deixar o vírus se espalhar para termos uma imunidade natural”, diz Spilki. “Mas isso terá um custo muito alto, com internações e muitos óbitos. E a imunidade não é duradoura, já sabemos disso.”

O diretor da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Adhanom, também refutou a classificação da variante como leve. “Embora a ômicron pareça ser menos grave em comparação com a delta, especialmente entre os vacinados, isso não significa que ela deva ser classificada como branda”, disse. “Assim como as variantes anteriores, a ômicron está hospitalizando e matando pessoas.”

Além da questão imediata, há a preocupação com o impacto da ômicron no curso da pandemia.

“Esses milhões de casos que a ômicron está fazendo é um número muito grande de oportunidades de mutar”, afirma Spilki.

Segundo o coordenador da Rede Corona-ômica, mesmo recém-descoberta (foi detectada na África do Sul no fim de novembro), ela já tem quatro linhagens.

 

“Evolução a gente não consegue parar.”

Ou seja, quanto mais gente se infecta, mais mutações podem acabar selecionadas e novas variantes podem aparecer. Necessariamente essas mutações e variantes serão mais perigosas? Não. Mas os riscos aumentam conforme sobem os casos.

“A ômicron é a solução para a pandemia” foi uma frase que circulou recentemente, relembra Esper Kallás, professor do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e colunista da Folha.

“É querer acreditar muito na natureza. A gente não sabe o que vai vir”, diz o infectologista.

Mas, de toda forma, afirma Kallás, a maior parte dos quadros que têm visto de Covid –possivelmente de ômicron– nas últimas semanas em seu consultório têm sido mais leves e não têm evoluído para internação.

“Parece que o vírus mudou”, afirma ele, que nota que muitos dos pacientes reclamam de nariz entupido e garganta doendo.

De fato, estudos em camundongos, hamsters e tecidos humanos têm demonstrado a preferência da variante pelas vias aéreas superiores, com os pulmões sendo um pouco mais poupados.

Segundo Kallás, ao olhar para os coronavírus além do Sars-CoV-2, eles foram aos poucos imunizando as populações, que passaram a resistir às infecções. Hoje a persistência de coronavírus na população é mantida por crianças que acabam com síndromes catarrais causadas por esses vírus.

“A ômicron talvez seja uma convergência evolucionária para algo do tipo”, afirma. “Estamos nos baseando em outros exemplos, mas isso não serve para prever. História é muito boa para contar o passado.”

E com o Sars-CoV-2 vemos fenômenos que acreditava-se que não seriam possíveis. As mutações constantes do vírus são um exemplo. O professor da USP, inclusive, relembra de uma coluna sua na Folha, de junho de 2020, com o título “O vírus estável”. Nela ele apontava que o vírus era muito longo e que toleraria um número limitado de mutações.

A coluna concluía: “O novo coronavírus não sofreu mutações capazes de mudar suas principais características durante o curso desta pandemia. Se isso acontecer, será um fato sem precedentes”.

Não era algo esperado ou documentado. “Como a gente estava errado”, reflete Kallás, que, ao mesmo tempo, aponta ser fascinante (apesar de trágico) observar a luta adaptativa do vírus, o acúmulo de mutações que resulta em mudanças na doença, o processo de agente versus hospedeiro em um curtíssimo período de tempo.

“Ver um vírus encontrando o seu lugar dentro dessa cadeia de transmissão, para ele se posicionar como um agente viável em um processo de seleção natural. É extraordinário.”

E agora resta saber para onde vai a pandemia sob o reinado ômicron. Seria essa a variante definitiva? Algo do tipo já se especulava sobre a variante delta, que, segundo Spilki, tinha um número de mutações que lembrava as de outros vírus endêmicos, mais estáveis.

Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, diz que o amplo ataque da ômicron no Brasil, somado ao avanço da vacinação em crianças e à vacinação geral, poderia levar à famosa imunidade de rebanho.

Segundo Nogueira, a ômicron, com o grande número de mutações que tem, pode significar o início de um processo em que a Covid se transforma em um patógeno normal, com infecções sazonais e impactos menores.

“O fato de ter um ‘boom’ de circulação junto com as taxas de vacinação pode nos ajudar, como nos ajudou, de uma certa forma, com a delta. Ela não teve impacto significativo aqui, porque estávamos vindo de uma intensa circulação da variante gama e vacinação maciça na população adulta.” Mas essa pode também ser uma visão muito positiva do cenário, diz.

O virologista deixa claro que isso não quer dizer de forma alguma que as pessoas devam se contaminar e que sua visão é somente uma análise da perspectiva macro de saúde pública.

“Mas para o Zé ou para Maria que está doente, dane-se o macro, eles estão correndo o risco de morrer”, afirma. “Nenhum óbito é aceitável.”

Os especialistas ouvidos reforçam que é necessário parar a circulação do vírus. Para isso, além da vacinação, inclusive de crianças pequenas, as máscaras e os ambientes bem arejados não podem ser deixados de lado.

“Nós nunca tivemos o advento de um vírus dessa virulência. A quantidade de pessoas que ele é capaz de matar”, afirma Spilki. “É preocupante que não tomemos muitos cuidados agora.”

 

 

folhapress

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