Milionários brasileiros fazem fila para comprar jatinhos

Milionários e bilionários estão tendo dificuldades em encontrar jatinhos disponíveis para compra no Brasil. A demanda por aviões particulares cresceu tanto nos últimos meses que os interessados precisam aguardar em filas de espera que podem durar anos.

A explicação para o aquecimento desse mercado vem da pandemia. Segundo empresas do setor, a crise sanitária fez explodir o interesse pela aviação executiva entre os super-ricos, que desejavam seguir com suas rotinas de viagens sem se submeter ao risco de contaminação.

O problema é que a oferta não acompanhou o boom da demanda. A recente disrupção das cadeias de suprimentos globais comprometeu a produção e manutenção de aeronaves pela falta de componentes essenciais, e fez com que uma parte do transporte marítimo migrasse para os aeroportos -retirando jatos do mercado executivo.

Diante da escassez, os milionários passaram a disputar cada jatinho colocado à venda. Não só no Brasil, mas no mundo todo.

Bruna Strambi, diretora da Líder, uma das maiores empresas de aviação executiva do país, diz que a alta demanda é um fenômeno global, que afeta tanto a compra de aeronaves quanto os serviços de fretamento, propriedade compartilhada e terceirização.

A companhia é representante exclusiva do Hondajet, modelo fabricado pela Honda que custa cerca de US$ 6 milhões (R$ 27,8 milhões). De acordo com Strambi, para adquirir um novo é preciso enfrentar uma longa fila de espera, com entregas a partir de 2025.

Anderson Markiewicz, diretor de vendas da Líder, trabalha há 32 anos no setor de aviação e diz nunca ter visto um cenário tão aquecido quanto agora.
A procura é tão grande que até o mercado de seminovos inflacionou.

Segundo ele, algumas aeronaves com um ou dois anos de idade chegam a ter preço maior do que uma de fábrica, pois os clientes não querem aguardar para levar uma zero-quilômetro.

“Antes da Covid, o tempo que demorava entre o anúncio de uma aeronave [usada] e a venda era da ordem de vários meses, às vezes mais de um ano. Hoje, se alguém anuncia agora, já vende amanhã. É questão de horas, uma coisa impressionante”, afirma.

Um levantamento de 2021 feito pela consultoria Wealth-X mostrou que o Brasil é o segundo país com mais donos de aviões particulares no mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos. O ranking tem o Canadá em terceiro lugar, seguido de México e Alemanha.

Atualmente, o Brasil tem mais 16 mil aeronaves privadas, o que inclui jatinhos, aviões, turboélices e helicópteros. Considerando só os jatos, a frota aumentou 8,5% entre fevereiro de 2021 e fevereiro de 2022, saindo de 680 para 738 unidades.

Alguns dos modelos mais desejados pelos brasileiros são o Phenom 300 da Embraer, que custa mais de US$ 7 milhões (R$ 32,4 milhões) e os turboélices da família King Air, na faixa de US$ 7,5 milhões (37,1 milhões).

A intensa movimentação do mercado também ajudou a engordar o caixa da Embraer. Em 2020, a companhia vendeu 86 jatos executivos, número que passou para 93 em 2021. Neste ano, a previsão é de que as entregas fiquem entre 100 e 110 aeronaves.

Segundo a empresa, a aviação executiva alcançou receita de R$ 6,12 bilhões em 2021, crescimento de 9% que foi impulsionado pelo aumento das entregas e preços mais altos.

Em 2022, o aumento pode chegar a 18% comparado com o ano anterior.

Novos bilionários aqueceram a demanda Paul Malick, presidente da Flapper, diz que é possível esperar até um ano para comprar os aviões mais buscados, como o Challenger 600.

“[O modelo] é muito desejado por ter cabine ampla, acomodar até 12 passageiros e permitir voar do Brasil até a Europa com apenas uma parada”, afirma.

Malick também atribui à pandemia o aumento na demanda pela aviação executiva, mas não limita a explicação a isso.

“Outro motivo é o simples fato de que, nos últimos dois anos, o número de milionários e bilionários aumentou”, diz.

“Nós, por exemplo, recebemos muitos clientes que acabaram de entrar na Bolsa e viraram CEOs. [São pessoas que] sofreram os últimos dez, 15 anos trabalhando e agora querem aproveitar mais a vida. Isso com certeza afetou o setor de forma positiva”, acrescenta.

Segundo ele, o perfil dos clientes da Flapper são donos de empresas de pequeno ou médio porte (de 15 a 40 funcionários), mas com alta rentabilidade -como clínicas de cirurgia e companhias do mercado financeiro.

Em meio ao boom da aviação executiva, Malick também viu clientes se arrependendo da decisão. Ele diz que alguns não se davam conta dos custos para manter um jatinho de pequeno porte -que giram em torno de R$ 100 mil mensais- e agora estão dando um passo atrás.

“Algumas aeronaves estão sendo comercializadas de volta, mas ainda não é uma tendência que impacte o mercado.”

Demanda deve seguir alta Para o executivo, o cenário de alta demanda e baixa oferta deve durar mais uns três anos.

Uma das razões é a flexibilidade que a aviação executiva proporciona. Depois de optar pelo serviço, raramente os clientes retornam às rotas comerciais.

Segundo dados da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) compilados pela Abag (Associação Brasileira de Aviação Geral), o Brasil tem 491 aeródromos públicos, sendo que os privados chegam a 2.675 -quase seis vezes mais opções.

Marcus Matta, CEO da Prime You, também acredita que o mercado vai continuar aquecido, mas aposta num ajuste de oferta de aeronaves ao longo de 2023.

A empresa da qual é fundador atua principalmente no segmento de propriedade compartilhada de aviões, helicópteros e outros bens de luxo -modelo que ele vislumbra tendo um boom mais duradouro.

Segundo Matta, a escassez de aeronaves para pronta entrega tem levado muitas pessoas a repensarem a propriedade exclusiva e a considerarem o modelo de compartilhamento.
“Se olharmos um mercado mais pujante -como o americano, que tem um número gigante de aeronaves- vemos que esse é o sistema que mais tem crescido”, diz.

folhapress

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