Com as repercussões do segundo turno das eleições ainda quentes no cotidiano dos estados, existe um movimento nos próximos dois meses, acompanhado de perto pelo mercado, para conhecer os planos econômicos do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Como ainda não se tem conhecimento de quais são os nomes dos principais protagonistas dessa estratégia, economistas e especialistas ainda têm dificuldade de fazer uma leitura mais apurada. No campo econômico, os principais desafios para o novo governo são o cenário global e aliar o assistencialismo social com a reforma fiscal.
Não é segredo que Bolsonaro e o superministro da Economia, Paulo Guedes, eram os preferidos do sistema financeiro para a sequência do plano. Entretanto, as urnas falaram o contrário, e agora a expectativa é ver como o País se posicionará.
Na terça-feira (1º), o Comitê de Política Monetária (Copom) divulgou a ata da última reunião que determinou a manutenção da taxa Selic em 13,75%. O resumo é uma política econômica com um horizonte de seis trimestres no futuro, com dificuldades de se fazer alguma previsão.
O Banco Central (BC) voltou a mencionar a incerteza fiscal, especificamente citando o futuro do arcabouço fiscal do País e o risco de estímulos fiscais adicionais que impliquem sustentação da demanda agregada.
Também são riscos para cima a maior persistência das pressões inflacionárias globais e um hiato do produto na economia brasileira menor do que o projetado pelo BC, principalmente no mercado de trabalho.
MACRO
Segundo o doutor em Economia Michel Constantino, a análise é bem parecida com a leitura do comitê. “O cenário macroeconômico no curto prazo não deve mudar, os indicadores estão dados, temos os pilares macroeconômicos bem administrados pelo Banco Central, e deve ser respeitado nos dois primeiros trimestres de 2023, depois disso devem ocorrer mudanças”, ressalta.
A cautela é comum para diversos analistas. No entanto, o histórico demonstrado pelo candidato vencedor nas outras duas oportunidades em que conduziu o País dão um pouco mais de tranquilidade para alguns.
Para o professor de Economia da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) Mateus Abrita, as políticas passadas de Lula foram positivas. “Tivemos uma redução da [relação] dívida/PIB, a gente teve uma média de crescimento de 4% ao ano, tivemos também o fim do pagamento da dívida externa e o acúmulo de reservas internacionais em torno US$ 380 bilhões, que ajudam a estabilidade da economia brasileira até hoje”, enumera.
Contudo, ambos os economistas são cautelosos. Para eles, os nomes que devem ocupar as pastas farão diferença em como o mercado poderá avaliar os rumos econômicos.
Mesmo assim, Abrita diz que ainda é muito cedo para projetar a política econômica do futuro presidente. “Para poder fazer uma análise mais aprofundada, é preciso aguardar qual será a equipe econômica. Espero que sejam nomes de credibilidade e de experiência. Porque aí as expectativas ficam boas. Agora, se forem nomes inexperientes e com pouca credibilidade, aí já fica mais difícil”.
Para os investimentos, Constantino acredita que ativos de maior risco devem diminuir na preferência do investidor para o próximo ano e ficar mais para o mercado especulativo. “Com a taxa de juros alta, a maioria dos investidores deve continuar migrando para a renda fixa e dólar”, comenta.
PRESSÃO
Da noite de domingo (30) até terça-feira (1º) pela manhã, caminhoneiros, empresários e motoristas de camionetes fecharam diversos pontos de rodovias federais. Ao longo da véspera do feriado, as rodovias passaram a ser desobstruídas com apoio das polícias Militar e Rodoviária Federal.
Em menor escala, o movimento é similar ao que trouxe desabastecimento, inflação e insegurança para o Brasil em 2018, quando a classe parou nacionalmente em protesto ao preço do diesel.
O mestre em Economia Eugênio Pavão vê isso como uma forma de pressionar a economia assim como aconteceu no governo Temer. “É uma estratégia para fazer pressão sobre preços de fretes, custos do diesel, etc., bem como protestos sob a condução da política econômica”, afirma.
O especialista frisa que, em 2018, os bloqueios provocaram problemas na distribuição de produtos para o mercado. “Faltaram produtos, como combustível, alimentos, remédios, etc., causando transtornos nas cidades e prejuízos no campo”.
O economista Márcio Coutinho diz que esse é um desdobramento de uma classe que mostra desconforto com a decisão das urnas e não aprova o resultado nacional. Por outro lado, ele comenta que não dá para dar as costas para a repercussão econômica dessa atitude. “Nós temos de pensar que nossa produção no Brasil é transportada basicamente em caminhões. Se por acaso o negócio parar, vai faltar produto, e aí tudo começa a ficar mais complicado”, argumenta.
Apesar do uso da força e da liberação quase total das rodovias em MS, manifestantes bolsonaristas seguem com atos nas cidades pedindo intervenção militar. Este cenário de pressão pelo resultado eleitoral é mais um ingrediente de instabilidade na transição de governo.
INDECISÃO
O economista Fábio Nogueira segue aguardando o anúncio de quem será o novo ministro. Pelas declarações do candidato eleito, ele percebe a intenção de resgatar a agenda ambiental progressista, o que traria um impacto difícil de mensurar para o agronegócio.
“Visto que os estados que possuem uma planta voltada aos bens de consumo durável, como São Paulo, estão crescendo a exportação em torno de 1% ao ano, enquanto o crescimento dos estados exportadores de commodities está bem acima”, analisa.
Ele também ressalta que é provável vermos uma retomada da industrialização no governo Lula, setor que deve ser desmembrado do Ministério da Economia a partir de 2023.
Constantino ressalta ainda que tudo isso pode mudar nos próximos dias. “Minha análise pode mudar quando tivermos as informações reais da equipe econômica, aumento de ministérios e as primeiras ações de desregulamentação da âncora fiscal”, finaliza.
Segundo informações do jornal Folha de S.Paulo, a superpasta comandada por Paulo Guedes deve ser desmembrada em até quatro ministérios: Fazenda, Planejamento, Indústria e Comércio Exterior.
Para assumir a área, estão na fila Alexandre Padilha, Welligton Dias e Rui Costa para comandar alguma pasta desse grupo. Lula tem dito que quer um ministro da Fazenda com perfil político, mas ele também avalia currículos de economistas para a vaga. Entre os nomes do mercado ventilados estão Henrique Meirelles e Bernardo Galípolo, este último mais cotado no Banco de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES).
ce