Administrador de redes de Campo Grande processa a empresa BDM Dourado Digital Gestão de Ativos LTDA e seus sócios, entre eles Urandir Fernandes de Oliveira, além da Associação Civil Idakila. O caso foi parar na Justiça em setembro deste ano porque o programador alega que o software usado pela empresa de criptomoedas foi clonado e está sendo operado de forma irregular, uma espécie de pirataria, que é negada pela BDM.
Conforme apurado, a partir da ação judicial, o programador pede a reintegração de posse, além da cobrança de indenização por danos morais. O autor da ação esclarece que é criador e proprietário dos programas de computador – softwares – denominados BDM Blockchain, Plataformas Explorer, Câmbios e Gráficos, Developer Pack e aplicativos mobile e desktop.
Os programas foram publicados, ou seja, estavam disponíveis para uso na internet, em 3 de fevereiro de 2020 e foram devidamente registrados em nome do programador. O advogado que representa o administrador de redes, Rafael Miola Camargo, detalha na ação que o cliente iniciou os estudos sobre blockchain – tecnologia que trata de serviços financeiros de criptomoedas – em 2014 e desenvolveu vários programas a partir daí.
Em 2019, o administrador de redes finalizou a programação do BDM, que foi publicado às 12:50:46 do dia 3 de fevereiro de 2020. Assim foi criado o primeiro bloco no banco de dados do blockchain, denominado ‘Gênese’, a primeira criação da criptomoeda BDM.
A partir daí, o desenvolvedor do software teria firmado parceria com o presidente da Idakila, Urandir Fernandes, para dar início ao projeto, “com objetivo de facilitar comércio e levar dignidade e prosperidade para a população”, conforme diz a peça.
Sociedade desfeita e irregularidades
Com a sociedade firmada, o desenvolvedor do software elaborou uma espécie de certidão, denominada Whitepaper. Nesta, foram inseridas as metodologias de funcionamento e objetivos e pilares do blockchain e da criptomoeda BDM.
A empresa se firmou em Mato Grosso do Sul e assim foi fundada a BDM Digital Administração de Negócios LTDA, tendo como sócio majoritário o réu da ação. Em julho de 2020, a empresa parou de ser usada, por problemas e desentendimentos entre Urandir e outros dois sócios.
Com isso, Urandir abriu nova empresa com nome semelhante, apenas inserindo ‘Dourado’ para diferenciar a razão social: BDM Dourado Digital Administração de Negócios LTDA. Neste novo CNPJ, os sócios que tiveram desentendimento com Urandir já não faziam mais parte do quadro societário e o presidente do grupo Idakila seguiu com controle administrativo total.
Ainda conforme a ação, em julho de 2021 o desenvolvedor do software suspeitou de atividades financeiras da empresa. Isso, porque nunca foi fornecida prestação de contas nem a contabilidade durante um ano.
Mesmo assim, ele teria ouvido rumores das atividades suspeitas e desenvolveu uma ferramenta para auditoria do blockchain. Foi assim que coletou informações sobre transferências entre contas e rastreou operações de contas e saques.
A partir daí, identificou as atividades suspeitas por pessoas que administravam a parte financeira e também seus familiares. Foram registrados saques superiores a R$ 4 milhões e operações únicas que somavam mais de R$ 20 milhões.
“Dessa forma o autor, de posse das informações fornecidas pelos relatórios gerados por sua ferramenta de auditoria, conseguiu identificar inúmeras atividades suspeitas, a maioria realizada por pessoas que administravam a parte financeira e seus familiares, inclusive com saques milionários de valores superiores a 4 milhões de reais e operações únicas que somavam valores de mais de 20 milhões de reais”, sustenta a defesa do programador.
Foi então que o desenvolvedor pediu a imediata retirada da empresa, com direitos previstos em lei de não informar seus motivos.
Programador diz que software foi pirateado
Após a saída do programador da empresa, foi marcada uma reunião. Porém, o desenvolvedor teria sido surpreendido por advogada do sócio majoritário, que pediu a transferência da propriedade intelectual, sem qualquer tipo de pagamento. Ou seja, Urandir queria o controle total da tecnologia, sem que o criador interferisse.
Além disso, o presidente do Idakila queria que fosse acordada uma multa no valor de R$ 1 milhão caso o ‘dono’ do software usasse os códigos em outro projeto. O programador recusou a proposta e disse que poderia conceder a licença do software, para uso legal, e que para isso seria elaborado um documento com os detalhes do acordo.
Porém, a negociação foi adiada. Ao fim de novembro de 2021, Urandir foi notificado extrajudicialmente para negociar a licença, mas novo prazo foi solicitado e concedido.
Nesse período, o programador afirma que descobriu, ainda em novembro, que foi feita a clonagem do database do blochchain BDM. O ato é denominado ‘fork’, uma forma de pirataria de software.
No mês seguinte, em dezembro, Urandir teria tomado controle do DNS que o desenvolvedor também administrava. Os documentos que comprovariam a pirataria do software foram anexados ao processo.
Então, em 6 de janeiro, prazo estipulado para um acordo entre as partes, o desenvolvedor tirou os servidores dos aplicativos que ele administrava do ar. Mesmo assim, em poucos dias o sócio publicou novos aplicativos nas lojas de software.
Em fevereiro deste ano, Urandir teria registrado boletim de ocorrência contra o desenvolvedor, o acusando de estelionato. Depois, foi feita uma nova denúncia pela possível vítima, por clonagem e pirataria da propriedade intelectual.
Valor da causa ultrapassa os R$ 12 milhões
Sem acordo entre as partes, o desenvolvedor do software decidiu entrar com ação judicial. O pedido é de reintegração de posse da propriedade intelectual do programa. Além disso, ele pede R$ 10% do montante total de todas as criptomoedas BDM já vendidas em sua cotação em reais atual e 10% de todos os tokes ativos ou digitais criados e negociados usando o blockchain.
O valor estipulado é de R$ 12.829.733. Também foi feito pedido de R$ 45 mil por danos morais, pela conduta ilícita praticada. No entanto, após a reintegração de posse, será feita auditoria para serem consultadas todas as movimentações de criptomoedas da BDM, para se avaliar o montante total a ser restituído.
BDM refuta acusações de programador
Em nota, a BDM, por meio da assessoria de imprensa, informou que o programador pediu demissão da empresa em 24 de setembro do ano passado. No documento, assinado pelo administrador de redes, consta que o desligamento da empresa, a pedido dele, ocorreu por “motivos particulares”.
O pedido de demissão ainda detalha uma série de serviços que o programador prestaria à BDM no período de aviso prévio, que se encerrou no final de outubro do ano passado.
Em setembro deste ano, mês em que o programador ingressou com ação contra a empresa, a defesa da BDM apresentou à Justiça um documento de 11 páginas com argumentos que refutariam as acusações do programador.
A empresa nega que houve clonagem ou pirataria do blockchain, uma vez que a tecnologia consistiria em sincronização de dados, segundo a BDM. “[…] podemos esclarecer que a acusação de ‘clonagem’ apenas se trata de uma sincronização das informações registradas no Blockchain BDM, gerando assim uma cópia legal dos registros. Esse processo pode ser realizado por qualquer pessoa com conhecimento da documentação da plataforma da Waves, ou seja do código que foi personalizado pelo [programador] e chamado de Blockchain BDM”, disse a defesa da empresa à Justiça.
Os advogados também afirmam que o novo aplicativo da BDM, que o programador classifica como clonagem, foi desenvolvido durante quatro meses e que precisou ser lançado logo após do programador promover “desligamento dos servidores” e deixar, segundo a empresa, 5 mil clientes sem acesso às carteiras.
“Fui obrigado a publicar o novo aplicativo ainda em fase de teste no dia 7 de janeiro de 2022”, detalha o documento apresentado pela empresa à Justiça.
Na sequência, a empresa apresenta uma série de prints de procedimentos técnicos envolvendo configuração do blockchain, como alteração de nome e arquivos.
Por fim, a BDM conclui afirmando que o aplicativo usado atualmente não se trata de uma cópia daquele que foi criado pelo programador.
“Tendo em consideração tais modificações, não se pode afirmar que de fato se trata de um blockchain próprio da autoria do [programador], mas sim uma personalização de um produto já existente no mercado e de livre utilização por uma licença de código aberto. Em consequência, não houve clonagem nem posse ilegal de um produto autoral por parte da Dourado Cash, mas apenas uma sincronização de informação a um Blockchain público com uma licença livre de código aberto”, completa.
A audiência de conciliação entre as partes está agendada para março de 2023.
mdx