Em resposta ao agravo de instrumento impetrado pela defesa dos ex-presidentes do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul (TCE-MS), o conselheiro aposentado Cícero Antônio de Souza e o conselheiro afastado Waldir Neves Barbosa, o promotor de Justiça Adriano Lobo Viana de Resende apresentou, contraminuta de agravo para apreciação do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) reafirmando o ato de improbidade administrativa ajuizado em 13 de fevereiro de 2019 contra ambos.
No agravo, Adriano de Resende reforça que “estamos diante de flagrante fraude à licitação pública, de indevida dispensa de licitação pública, de patente desvio de dinheiro público, seja decorrente do superfaturamento ou dos pagamentos sem a contraprestação de serviço, enfim, de pagamentos milionários a uma empresa de fachada”.
O promotor de Justiça conclui solicitando ao TJMS que, ante ao exposto, negue provimento ao recurso de agravo de instrumento em sua totalidade.
Os dois ex-presidentes do TCE-MS viraram réus pelo desvio de R$ 19,3 milhões por meio de empresa de limpeza e tentam usar a nova Lei de Improbidade Administrativa para sepultar a denúncia.
Em julho do ano passado, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, aceitou a denúncia contra os dois conselheiros e o espólio de José Ancelmo dos Santos (falecido).
Eles podem ser condenados a devolver R$ 58 milhões aos cofres públicos, sem considerar o valor da indenização por danos morais a ser arbitrado pelo magistrado.
O advogado André Borges, responsável pela defesa de Waldir Neves e de Cícero de Souza, alegou que o juiz não analisou a defesa prévia, como determina a nova Lei de Improbidade Administrativa, sancionada em outubro de 2021 pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL).
“O recurso é cabível, pois a defesa prévia, que deixou de ser apreciada pela decisão agravada, contém matéria de mérito (art. 1.015, II, do CPC) suficiente à rejeição da ação. Além disso, a taxatividade mitigada do rol (tema repetitivo 988 do STJ) possibilita a imediata interposição do recurso, já que não podem ser os réus obrigados a responder gravosa e prejudicial ação, quando a simples análise dos argumentos da defesa prévia é suficiente à sua rejeição – daí decorrendo a inutilidade do posterior julgamento, quando os danos já estarão consolidados”, alertou André Borges.
No entanto, para Adriano de Resende, não há nenhum reparo a ser feito à decisão do juiz e a disposição de receber inicial deverá ser mantida.
Porém, o desembargador Luiz Antônio Cavassa de Almeida não concedeu efeito suspensivo, mas analisará o pedido após a manifestação do Ministério Público do Estado de MS (MPMS).
“Devemos lembrar que para o não recebimento da ação seria necessária a situação de manifesta improcedência, ausência de elemento mínimo de prova, patente falta de justa causa para a imputação, o que, conforme bem decidido, não é o caso”, alertou o promotor de Justiça.
Terceirização de Ouro
Além dessa ação, Waldir Neves e os conselheiros Iran Coelho das Neves e Ronaldo Chadid são alvos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que mandou afastar os três no dia 8 de dezembro por suspeita de corrupção e determinou o uso de tornozeleiras eletrônicas.
Além disso, ainda no âmbito da Operação Terceirização de Ouro, ordenou que o MPMS mova uma ação cível para suspender e anular o contrato de serviço firmado entre a empresa Dataeasy Consultoria e Informática Ltda e a Corte Fiscal.
Pelas investigações, conduzidas pela Polícia Federal, pela Receita Federal, pela Controladoria-Geral da União e pelo Ministério Público Federal (MPF), a empresa em questão pagava propina aos conselheiros, que, em troca, permitiam que a Dataeasy vencesse milionários processos licitatórios.
Estimativa dos investigadores indica que, de 2018 para cá, a empresa recebeu em torno de R$ 100 milhões.
Em trecho da decisão do ministro Francisco Falcão, do STJ, há pedido para que detalhes e documentos das investigações que implicaram os conselheiros, além de todas as provas obtidas, sejam compartilhados com o MPMS para que este adote as medidas judiciais cíveis cabíveis, tais como a propositura de ação civil para a anulação e a suspensão do contrato entre o TCE-MS e a Dataeasy, a propositura de ações de improbidade, de ressarcimento e outras que se entender cabíveis.
Ou seja, além das investigações contra os conselheiros, o MPMS deve pedir que eles devolvam o que teriam recebido como propina para fraudar processos licitatórios.
Pelas investigações do MPF, os conselheiros teriam praticado crimes de corrupção ativa e passiva, fraude em licitações, fraude na execução de contratos, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.
Partes das investigações que devem ser compartilhadas com o MPMS e que podem complicar ainda mais a situação dos conselheiros têm a ver com a participação de dois servidores do TCE-MS no esquema, que também foram afastados de seus cargos.
“Observou-se que dois servidores do TCE-MS [Douglas Avedikian e Parajara Moraes Alves Júnior] tiveram participação em diversas etapas sensíveis do processo, o que configurou aparente ofensa ao princípio da segregação de funções”.
De acordo com o MPF, “os dois servidores eram responsáveis pelos atos iniciais da contratação e atuaram também como fiscais e gestores do contrato da Dataeasy, o que parece ter afrontado o princípio da segregação de funções, o qual busca impedir que uma mesma pessoa seja responsável por mais de uma atividade sensível nos processos de trabalho, sem o devido controle”.
O MPMS, com a decisão do STJ, deve ouvir os três conselheiros e saber deles a razão de terem guardado em casa e na casa de uma assessora R$ 1,6 milhão em espécie.
Em depoimento, um dos conselheiros disse que guardava o dinheiro há 20 anos e que o motivo seria quitar dívidas com ex-mulheres com as quais teve filhos.
Além de determinar o compartilhamento das informações e de documentos que sustentaram o afastamento dos três conselheiros do TCE-MS, o STJ também tomou uma decisão que deve complicar a vida de um gerente do banco Itaú, cujas ações podem ter contribuído com o esquema da partilha de dinheiro envolvendo a empresa Dataeasy e os investigados.
O caso em questão envolve o gerente do banco Emerson Araújo, que, segundo a investigação, “recebia os cheques da Dataeasy na agência Itaú 5606 [que fica em Brasília] e os registrava como Transação 241”.
Nesse tipo de transação, o bancário apenas compensava o cheque, mas, depois, realizava um saque na conta e acabava por inviabilizar o rastreamento do dinheiro via mecanismos como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que examina e identifica as ocorrências suspeitas e comunica às autoridades competentes quando conclui pela existência de crimes de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, direitos e valores.
Por meio dessas operações (Transação 241), foi sacado R$ 1,3 milhão.
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