O Telegram voltou ao noticiário jurídico na última semana. Na quarta-feira (26), o aplicativo foi suspenso em todo o Brasil por não ter cumprido uma decisão da Justiça Federal do Espírito Santo, que determinou que dados sobre grupos neonazistas que utilizam o Telegram fossem entregues à Polícia Federal para investigação.
Além do bloqueio, também foi determinada multa de R$ 1 milhão para cada dia de atraso na entrega das informações.
Em março do ano passado, o ministro Alexandre de Moraes também chegou a determinar o bloqueio do aplicativo em todo o Brasil.
Contudo, tanto o MPF (Ministério Público Federal) como o STF (Supremo Tribunal Federal) esbarram na dificuldade de contactar formalmente o Telegram, já que o aplicativo não possui escritório no Brasil. O inquérito das Fake News do STF, por exemplo, acionou a sede do app, em Dubai, mas não conseguiu retorno.
Segundo Christian Perrone, head de Direito e Govtech do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade), com o Telegram localizado nos Emirados Árabes Unidos, que não é um país central, dificulta para o Brasil, e outros países onde o app funciona, criar pacto de ordem judicial.
“O Telegram, historicamente, esteve em situações que buscou conter uma lógica de liberdade interna de como se utiliza o serviço. Nas eleições, a situação ficou mais preocupante. Mas o aplicativo tem responsabilidades aqui no país.”
Perrone explica que atualmente o Telegram até tem um representante no país, mas, ainda assim, a dificuldade da Justiça brasileira em fazer contato continua.
Arthur Igreja, especialista em tecnologia, comenta que o Telegram não é polêmico apenas no Brasil, mas no mundo todo em geral.
“A plataforma tem essa polêmica em vários países. Basta lembrar daquela vez que receberam a notificação judicial e que eles não responderam, depois falaram que não tinham visto o e-mail. Mas isso não é exclusividade do Brasil. Aparentemente, a empresa tem esse comportamento.”
O Telegram tem uma política muito mais branda, explica o Igreja, lembrando que a empresa não participou dos encontros com a Justiça Eleitoral para tentar entender como aperfeiçoar a segurança dos serviços que ela oferecia.
“Por isso, pela permissividade e pelo aparente menor interesse em querer resolver essas questões ou participar desse debate, o aplicativo é alvo das investigações sobre fake news”.
Estagnação
A pesquisa Panorama Mobile Time/ Opinion Box, sobre mensageria móvel no Brasil, mostrou que, depois de três anos de um aumento rápido e contínuo em sua base de usuários no Brasil, o Telegram parou de crescer.
Os dados mostram que, desde janeiro de 2019, quando estava instalado em 13% dos smartphones nacionais, o app vinha registrando, semestre a semestre, a cada edição da pesquisa, crescimento acima da margem de erro, até atingir um pico de 65% em agosto de 2022.
Porém, no último levantamento, manteve o mesmo patamar. Esta é a primeira vez em três anos que o Telegram não registra crescimento. A pesquisa entrevistou 2.086 brasileiros que acessam a internet e possuem smartphone, entre os dias 11 e 23 de janeiro.
A pesquisa também mostrou que houve redução no engajamento da sua base. Seis meses atrás, 50% dos seus usuários declaravam abrir o app todo dia ou quase todo dia. Agora, são 43%, uma queda de 7 pontos percentuais.
Nesse período, houve uma queda na proporção de usuários de várias das suas ferramentas de comunicação. O percentual de usuários do Telegram no Brasil que participam de canais no app diminuiu de 66% para 61%. Outro exemplo: o percentual dos que trocam mensagens de áudio caiu de 42% para 37%.
Na visão de Igreja, esses dados se explicam, fundamentalmente, porque o Telegram ganhou sempre muito público quando o WhatsApp apresentava instabilidade. Porém, a plataforma não teve nenhuma enorme inovação nos últimos tempos.
“Outro fator é que ele tinha menos limitações, mas o WhatsApp se inovou e criou comunidades, capacidade maior de participantes em grupos, ou seja, se aproximou mais tecnicamente do Telegram, e esse é um fator importante. Além disso, faz algum tempo que o WhatsApp se mantém estável. Somando tudo isso, reflete nessa estagnação do app.”
Perrone avalia que, pelo Telegram ter sede fora do Brasil, não busca nenhuma propaganda por aqui. “Ele não é um serviço que está buscando ativamente clientes como o Instagram, Whatsapp, que tem versão comercial. Foi criado para uma lógica de fundação, sem recursos externos (hoje recebe milhões de dólares).”
Futuro
Mas será que o Telegram vai ser banido permanentemente do Brasil?
Os especialistas acreditam que é muito difícil isso acontecer. Igreja não crê que o app vai deixar de existir para sempre, até porque há um mercado importante para o Telegram.
“Mas ele, sim, vai ter que se adequar. Terá que jogar melhor esse jogo, precisará parar de ter essa postura de simplesmente ignorar tudo e todos. Ele não será banido para sempre, mas tenho certeza de que não ficará do jeito que está.”
Perrone avalia que, no patamar em que o aplicativo está hoje no Brasil, ele não vai sumir dos celulares dos brasileiros. “O mais provável é que, com essa suspensão, em um curto prazo, ele possa reforçar a percepção do objetivo do Telegram no Brasil. Não vai desaparecer, mas não vai crescer também. Pode até ser uma alternativa de outros app em caso de instabilidade.”
Posição do Telegram
Em sua plataforma, o e CEO do Telegram Pavel Durov emitiu um posicionamento sobre a suspensão do aplicativo no Brasil. Segundo ele, as informações que a Justiça do Brasil pediu é impossível de conseguir.
“No Brasil, um tribunal solicitou dados que são tecnologicamente impossíveis de obter. Estamos apelando da decisão e aguardando a resolução final. Não importa o custo, defenderemos nossos usuários no Brasil e seu direito à comunicação privada.”
A nota diz que a missão do Telegram é preservar a privacidade e a liberdade de expressão em todo o mundo. “Nos casos em que as leis locais vão contra essa missão ou impõem requisitos tecnologicamente inviáveis, às vezes temos que deixar esses mercados. No passado, países como China, Irã e Rússia proibiram o Telegram devido à nossa posição de princípio sobre a questão dos direitos humanos.”
“Tais eventos, embora infelizes, ainda são preferíveis à traição de nossos usuários e às crenças nas quais fomos fundados”, declarou o Durov.
A CNN entrou em contato com a Justiça do Espírito Santo questionando sobre o processo envolvendo o Telegram, porém, segundo a Vara Federal de Linhares, onde corre a ações, disse que “não é possível informar isso, no momento, tratando-se de processo que tramita, ressalvadas as exceções já previstas, sob sigilo”.
A CNN entrou em contato com o Telegram após a determinação judicial, mas não obteve retorno. (Com CNN)