Familiares de Desembargador movimentaram milhões após soltura chefe do PCC

O desembargador Divoncir Schreiner Maran, afastado de suas funções por suspeita de venda de sentença, movimentou, pelo menos, R$ 3 milhões sem comprovação de origem do dinheiro, em suposto esquema do qual também fazia parte sua família.

Os valores são referentes a movimentações financeiras e a um imóvel, avaliado R$ 2 milhões, sem qualquer rastro do pagamento pelo bem.

Maran é suspeito dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Ele é autor da liminar que soltou um dos chefões do Primeiro Comando da Capital (PCC), Gerson Palermo, no dia 21 de abril de 2020, durante plantão judicial.

No despacho que autorizou a expedição dos mandados de busca e apreensão cumpridos ontem, a ministro cita relatório da Polícia Federal, que aponta que o filho mais velho de Divoncir, Vânio César Bonadiman Maran, movimentou mais de R$ 1 milhão em sua conta bancária no período de nove meses, valor incompatível com sua renda mensal, que era de R$ 7,6 mil.

De acordo com o documento, investigações apontaram que Vânio tinha procuração do pai e recebia alguns valores de venda de gado, bem como tinha movimentação financeira incompatível com os seus ganhos.

A renda mensal declarada era de R$ 7,687,50, mas, de 1º de junho de 2021 a 16 de março de 2022, a movimentação bancária do advogado foi de R$ 1,074 milhão.

Segundo a análise, os dados apresentados corroboram os indícios de, em tese, confusão patrimonial e tentativa de ocultação de valores, “e permitem posicionar Vânio Maran como o ‘principal operador’ em variadas operações suspeitas.

Entre essas operações, algumas das quais envolvem várias pessoas da família Maran, é citada a movimentação indiscriminada de transferências bancárias de Vânio e Divoncir, estando o advogado como beneficiário de recursos provenientes de clientes das atividades rurais do desembargador.

Também são citadas movimentações bancárias, por meio de débitos, que não têm vinculação direta com as despesas do desembargador e registros cartorários envolvendo duas escrituras de imóveis em nome de quatro filhos de Divoncir, dos quais não se pode precisar a forma de pagamento de um dos bens, avaliado em mais de R$ 2 milhões.

Foram identificadas ainda transferências bancárias de mais de meio milhão de reais feitas pelo desembargador em favor de seus filhos.

Outra operação suspeita é a grande quantidade de depósitos na conta de Vânio Maran, em valores inferiores a R$ 50 mil, que é o limite que dispensa prestação de esclarecimentos ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).

Os depósitos alcançam o montante de R$ 746.560,00, sendo R$ 175.164,00 depositados em espécie pelo próprio Vânio, e outros 243 depósitos feitos por terceiros.

Há ainda outras movimentações suspeitas nas contas do desembargador e dos filhos e inconsistências em declarações à Receita Federal.

A ministra aponta que há indícios que o desembargador e filhos teriam agido de forma coordenada na tentativa de ocultação do patrimônio.

“Neste juízo perfunctório, de cognição sumária e não exauriente, fundado em probabilidade, há indícios suficientes da prática de lavagem de capitais. Foram diversas as transferências entre familiares do investigado e de terceiros que evidenciam, em princípio, tentativa de confusão patrimonial. As datas das transações revelam possível tentativa de ocultar valores recebidos a título de corrupção. Há, portanto, elementos suficientes, por ora, de que foram recebidos valores ilícitos e de que houve uma tentativa complexa de ocultá-los”, diz a ministra no despacho.

Desta forma, ela autorizou a busca e apreensão, para identificar mais documentos, provas em arquivos digitais ou outros elementos entre os investigados que possam ajudar a “robustecer, desmentir ou esclarecer as acusações”.

Os mandados foram cumpridos, na Operação Tiradentes.

O advogado que representa Divoncir Maran, André Borges, afirmou que o desembargador é um homem “de enorme coração” e que as suspeitas são infundadas e serão esclarecidas.

“Surpreende muito que nada de concreto e vinculado à decisão no habeas corpus foi apurado na investigação em curso. Apenas suspeitas infundadas e fatos antigos, que poderiam e serão esclarecidos. Medida drástica como a adotada exigiria muito mais, nos termos da lei. Mais adiante surgirá o único resultado para isso tudo: arquivamento ou absolvição”, disse.

Operação Tiradentes

Na manhã de ontem, Divoncir foi alvo de operação da Polícia Federal e Receita Federal e foi afastado de suas funções.

Conforme a Polícia Federal, a operação apura a “prática de corrupção passiva e lavagem de capitais por membro do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul”.

Foram cumpridos nove mandados de busca e apreensão, autorizados pelo Superior Tribunal de Justiça, em Campo Grande e em Bonito. Parte dos mandados de busca e apreensão tiveram como alvo filhos do magistrado.

O STJ também determinou a proibição de acesso do desembargador às dependências do Tribunal de Justiça, em quaisquer de suas sedes, além da comunicação com funcionários e utilização de seus serviços, seja diretamente ou por interposta pessoa, sob pena de decretação da prisão preventiva.

O desembargador Divoncir Maran já presidiu o Tribunal Regional Eleitoral e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Ele está na magistratura desde 1981. Mas, mesmo que fosse demitido, teria direito ao salário de qualquer outro magistrado aposentado, da ordem de R$ 40 mil (além de alguns penduricalhos) já que juízes têm cargo vitalício no Brasil.

Soltura do chefão do PCC

Divoncir foi denunciado ao Conselho Nacional de Justiça após ter concedido liminar para soltar o traficante Gerson Palermo, 65 anos, condenado a 126 anos de prisão, durante plantão judicial no feriado de 21 de abril de 2020.

Divoncir Maran concedeu prisão domiciliar ao traficante sob alegação de que ele corria o risco de contrair Covid-19, na época em que a pandemia estava começando.

Na denúncia, o juiz insinou que o pedido de liminar foi feito exatamente naquele dia porque os advogados de Palermo sabiam que Divoncir Maran estava de plantão.

Segundo ele, o que prova essa alegação é o fato de que outros três plantonistas já haviam trabalhado depois que o juiz de primeira instância negou o pedido de relaxamento da prisão e, mesmo assim o recurso não fora impetrado.

No dia seguinte, em 21 de abril, a liminar concedida por Maran foi revogada pelo desembargador Jonas Hass Silva Júnior, que entendeu que Palermo não se enquadrava nas normas legais para a prisão domiciliar.

No entanto, o traficante não chegou a ser novamente preso, pois assim que foi liberado pela decisão de Divoncir, ele rompeu a tornozeleira eletrônica e fugiu, não sendo encontrado até hoje.

Com a denúncia, o CNJ decidiu, em 5 de setembro do ano passado, instaurar Processo Administrativo Disciplinar para apurar o caso. O desembargador irá se aposentar no dia 7 de abril deste ano, pois completa a idade limite, 75 anos, no dia 6 de abril e, desta forma, pode escapar ileso da investigação, devido ao arquivamento do processo.

 

 

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