O cometimento de crimes com “emprego de violência e grave ameaça” imputados à quadrilha que tentava assumir o comando do jogo do bicho em Campo Grande impede que os acusados tenham “perdão” antes de responder a ação penal. A explicação é da juíza May Melke Penteado Siravegna, da 4ª Vara Criminal, que recebeu a denúncia do o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) contra a organização criminosa, que apontou o deputado estadual Roberto Razuk Filho, o Neno Razuk (PL), como o chefe do esquema.
Trecho da decisão diz que os acusados “não preenchem os requisitos para proposta do acordo da não persecução penal”, mecanismo previsto em lei para que investigados obtenham a extinção da punibilidade em troca do cumprimento de cláusulas definidas pelo Ministério Público, de maneira a evitar que crimes voltem a ser praticados e que danos sejam reparados.
O “negócio jurídico” só pode ser proposto pelo MP em alguns casos. Os alvos da Operação Successione, contudo, não têm esse direito, “seja por integrarem organização criminosa armada e nessa condição terem praticado os crimes imputados na denúncia, seja por estarem presentes outras características incompatíveis com o instituto, como o emprego de violência e grave ameaça e imputação de crimes cuja pena mínima, consideradas as majorantes aplicáveis ao caso, superam 04 (quatro) anos”, registrou a magistrada.
A partir do recebimento da denúncia, começa a tramitação do processo. Testemunhas e investigados são ouvidos em juízo, o MP apresenta provas contra os réus e as defesas dão os argumentos em busca da absolvição dos clientes. Só depois de todo esse trâmite, a juíza decide de acusados serão ou não punidos.
As acusações
O Gaeco chegou a pedir a prisão do deputado, alvo principal da Operação Sucessione, que teve duas fases no fim do ano passado.
A denúncia e documentação anexa, contendo um total de 526 páginas, foi apresentada à Justiça em dezembro. Todos os documentos, trocas de informações com unidades policiais e de inteligência, vigilâncias, entrevistas, reconhecimentos operacionais, tomada de depoimentos levaram a identificar Neno como o “cabeça” de organização criminosa que entrou na disputa pelo monopólio do jogo do bicho em Campo Grande, espaço deixado pela família Name, que sofreu revés com a Operação Omertà.
Para dominar o território campo-grandense de exploração do jogo de azar, ainda na tese do Gaeco, o político tinha em seu grupo agentes da segurança pública, que recebiam propina e auxiliavam na prática de roubos. O objetivo das ações era cooptar pessoas ligadas aos adversários para ampliar o poder na Capital.
Para a investigação, o deputado contava com a ajuda, por exemplo, do major aposentado da Polícia Militar, Gilberto Luiz dos Santos, conhecido como “Major G. Santos”, “Coronel” ou “Barba”, para gerenciar o esquema.
Começo
Tudo começou no dia 16 de outubro de 2023, após três roubos serem registrados, à luz do dia, com utilização de pistolas e o mesmo “modus operandi”. Os assaltantes escolheram a dedo os “recolhes”, apelido dos motociclistas que realizam a coleta dos valores obtidos com as apostas dos jogos. Três vítimas de roubos relataram à polícia características de carros que foram cruciais para ligar Neno à organização.
Com três crimes semelhantes, no mesmo dia e horário, a equipe do Grupo Especializado de Repressão a Roubos a Banco, Assaltos e Sequestros (Garras) foi acionada e perseguiu um dos veículos usados no primeiro roubo.
O Hyundai HB20 estacionou em frente a uma residência, na Rua Gramado, no Bairro Monte Castelo. O investigado José Eduardo Abdulahad, o “Zeizo”, recebeu os policiais e acompanhou a diligência. “Foi, então, que as equipes policiais, durante a busca pelos assaltantes, encontraram verdadeiro ponto de concentração da organização criminosa voltado à exploração do jogo do bicho, contendo centenas de máquinas usadas nas operações do jogo de azar, além acessórios e de R$ 2,5 mil em dinheiro”, descreveu o Gaeco na denúncia.
Outros nove homens que estavam dentro da residência afirmaram que foram ao local jogar pôquer. Dentre eles, dois eram militares: o “Barba” e Manoel José Ribeiro, o “Manelão”.
A investigação também teve acesso à câmeras de segurança do condomínio Damha III, onde mora o parlamentar, e descobriu os veículos usados nos roubos dos “recolhes” passando na portaria para ir à casa do “chefe”.
Outro lado
O deputado diz ser inocente. “Eu vou ser inocentado e creio que a justiça vai ser feita. Ainda digo que estou sendo vítima de uma armação”, afirmou à reportagem na manhã do dia 7 de fevereiro quando veio à tona a notícia de que a denúncia havia sido recebida pela Justiça. O processo tramita em sigilo.
Já a defesa de Neno, sob o comando de José Arnar Ribeiro, afirmou que só vai se manifestar quando o deputado for formalmente citado, o que ainda não aconteceu.
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