A derrubada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) do marco temporal das terras indígenas gerou críticas e questionamentos de associações ruralistas do país. Na avaliação das entidades, a decisão do Supremo provoca insegurança jurídica no setor rural e potencializa o risco de agravamento de conflitos no campo.
Por 9 votos a 2, os ministros consideraram inconstitucional a tese que estabelece que a demarcação dos territórios deve respeitar a área ocupada pelos povos até a promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988. A decisão é considerada uma vitória para indígenas e ambientalistas.
Em nota, a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) afirmou ver com preocupação o resultado do julgamento. Para a entidade, a análise dos ministros trará “consequências drásticas para a atividade agropecuária e para as relações sociais”.
A confederação citou o projeto de lei que tramita sobre o mesmo tema no Senado como aposta para reverter a questão. “Temos a confiança de que o Congresso Nacional, assumindo a sua responsabilidade histórica e institucional de legislar, dará concretude à Constituição, conformando os direitos envolvidos e aprovando o Projeto de Lei nº 2.903/2023, reestabelecendo a segurança jurídica e assegurando a paz social”, diz a entidade.
SRB (Sociedade Rural Brasileira) e ABCZ (Associação Brasileira dos Criadores de Zebu) se manifestaram no mesmo sentido. Gabriel Garcia Cid, presidente da ABCZ, disse que a decisão foi “proferida em claro desvio de finalidade, sem que fosse observada a autonomia constitucional dos três Poderes” e que confia na atuação da frente parlamentar da agropecuária.
A Faesp (Federação da Agricultura do Estado de São Paulo) enviou um ofício ao Senado pedindo apreciação em regime de urgência do projeto, em razão de “iminente risco de agravamento de conflitos rurais em todo o país”.
Segundo o vice-presidente, Tirso Meirelles, a medida representaria avanço na segurança jurídica. Também no Sudeste, a Faemg (federação de Minas Gerais) diz ser “inegável” a insegurança jurídica causada com a decisão, que ela “atormenta e coloca em risco o trabalho dos produtores rurais” e que em atuação conjunta com a CNA e a Frente Parlamentar da Agropecuária seguirá buscando soluções para a questão.
No Sul, a Faep (Paraná) disse entender que a decisão fere o direito de propriedade e que seguirá acompanhando os desdobramentos no Congresso. “Essa decisão traz enorme insegurança jurídica para os milhares de agricultores e pecuarista do Paraná e do Brasil”, disse o presidente da Faep, Ágide Meneguette.
A entidade representa mais de 80 mil produtores rurais do estado. O julgamento do marco temporal começou em 2021 e foi retomado em diferentes sessões desde junho deste ano.
Nesta quinta (21), votaram os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e a presidente da corte, Rosa Weber. Eles acompanharam o relator do caso, Edson Fachin, contra a tese, assim como haviam feito Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes.
Kassio Nunes Marques e André Mendonça foram os únicos ministros que votaram a favor do marco. A tese apareceu inicialmente no julgamento da terra Raposa-Serra do Sol (Roraima), encerrado em 2009.
De acordo com ela, os povos indígenas só teriam direito a territórios que estivessem ocupando na data em que a Constituição foi promulgada.
Em 2013, ao esclarecer a decisão de 2009, o STF afirmou que o marco temporal tinha sido utilizado de maneira pontual para a Raposa-Serra do Sol. O julgamento realizado agora, que analisava disputa em torno da terra onde está o povo xokleng em Santa Catarina, rejeitou o uso da tese. No mesmo estado, a Faesc (federação de Santa Catarina) manifestou “extrema preocupação” com as consequências da decisão do STF e que a tese do marco temporal garante critério objetivo para a efetivação de uma política de demarcações sem retirar o direito de propriedade.
A entidade diz temer a “volta de um passado recente em que processos de demarcação de terras indígenas em território barriga-verde geravam muita angústia, tensão, medo e revolta entre centenas de famílias rurais”. Já no Centro-Oeste, a Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul) apontou consequências para além do campo.
“A segurança legislativa e judicial que se busca não é apenas para a área rural, afinal, sem a definição do marco temporal, qualquer área urbana pode ser considerada como terra indígena”, diz a entidade.
Esse risco no entanto, foi negado durante o julgamento por, que afastaram a possibilidade da “posse imemorial” a indígenas, ou seja, de basear a reivindicação em um passado longínquo.
“Nem eu serei despejado, nem vossa excelência terá que trabalhar na rua, nem o Supremo vai para outro lugar”, disse o ministro Fux em seu voto.
A decisão terá repercussão geral, ou seja, valerá para casos semelhantes nas instâncias inferiores do Judiciário. Na quarta-feira (27), o STF ainda discutirá outros parâmetros sobre o tema.
INDÍGENAS E ENTIDADES CELEBRAM DECISÃO, MAS VEEM RISCO
Enquanto ruralistas criticam, movimentos indígenas celebraram a derrubada do marco temporal no STF. O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) classificou a decisão como vitória de todos os povos indígenas do Brasil.
“Esperamos que o governo agora possa cumprir a decisão do Supremo e finalizar as demarcações [de terras]”, afirmou o advogado Rafael Modesto, integrante da assessoria jurídica.
A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) também celebrou a decisão, mas reforçou que ainda há luta para afastar ameaças como a proposta que tramita no Senado. “Seguimos mobilizados, seguimos lutando, pois a luta irá continuar para garantia e proteção dos direitos dos povos indígenas”, disse o coordenador executivo da Apib, Dinamam Tuxá.
Advogada do ISA (Instituto Socioambiental), Juliana de Paula Batista disse que a decisão fortalece a democracia e coloca fim a “uma das mais sórdidas tentativas de inviabilizar os direitos indígenas desde a redemocratização”.
A presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Joenia Wapichana, afirmou que a decisão do STF enterrou a “tese absurda” em relação ao marco temporal mas, assim como a Apib, disse que há outras ameaças contra os direitos indígenas em curso.
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