Ganhou repercussão nacional a imagem da Cachoeira Véu de Noiva, em Chapada dos Guimarães (a 64 km de Cuiabá), praticamente sem água. O cenário é reflexo de um conjunto de fatores, entre eles a falta de chuva, o desmatamento e a extração de água subterrânea da região.
A afirmação é do pesquisador Ibraim Fantin da Cruz, doutor em Recursos Hídricos da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
O pesquisador, afirmou que a paisagem seca da Cachoeira Véu de Noiva será cada vez mais frequente.
Isso porque, as mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global irá aumentar a frequência de eventos extremos como a estiagem.
“O que a gente está passando é uma combinação de fatores. O que nos espera? Um aumento da frequência de eventos extremos, de grande seca, grande volumes de chuva”, afirmou.
O pesquisador também alertou sobre a necessidade de ações imediatas para minimizar os efeitos das mudanças climáticas. Ele ainda comentou sobre a atual situação dos reservatórios de Mato Grosso e pediu conscientização sobre o uso da água, principalmente aos setores de agricultura e pecuária.
Recentemente, a imagem da cachoeira Véu de Noiva praticamente seca teve repercussão nacional. Apenas a baixa quantidade de chuvas explica essa situação ou há outros componentes?
Ibraim Cruz – Em relação ao Véu de Noiva a gente tem algumas indicações que precisam ser colocadas. Primeiro, é que não está chovendo. Ano passado já foi um ano bastante seco e esse ano está ainda mais seco. A gente já tem nesse ano 22% a menos de chuva do que no ano passado. Isso tem um reflexo direto na disponibilidade hídrica superficial. Esse é o principal fator.
Porém, uma parceria que a gente está fazendo com o ICMBio [Instituto Chico Mendes] é justamente para identificar impactos associados a isso. Será que o principal efeito é a da falta de chuvas ou podemos fazer outros indicativos? A proposta de estudo que estamos fazendo em alinhamento com o ICMBio é para avaliar esses e outros fatores.
O estudo já conseguiu identificar outros componentes em relação a seca do Véu de Noiva?
Ibraim Cruz – Toda região de Chapada dos Guimarães é com formação arenosa. E especificamente essas regiões atuam como uma grande esponja. A água vem, infiltra, recarrega os mananciais subterrâneos e esses mananciais subterrâneos vão manter os mananciais no período de estiagem.
A gente precisa avaliar o ciclo hidrológico. E tem o desmatamento local, com a expansão da agricultura próxima à região. Então, a gente quer avaliar o desmatamento, porque ele tem um efeito importante nesse processo de infiltração.
Outro componente que a gente está avaliando, mas ainda não tenho as respostas para saber, é a extração de água subterrânea. Se nessa grande esponja a gente fizer um canudinho e extrair essa água subterrânea, ela pode faltar nos mananciais, e associado a falta de chuva provocar a redução da disponibilidade hídrica, das vazões do corpo hídrico.
São algumas frentes que estamos levando em consideração para elaborar as pesquisas, mas ainda não temos as respostas.
O ambientalista Mário Friedlander afirmou, em entrevista ao MidiaNews, que a ocupação desenfreada de Chapada dos Guimarães também pode estar contribuindo para a seca no Véu de Noiva. Também tem esse pensamento?
Ibraim Cruz – A gente está acompanhando esse processo de desmatamento pela expansão urbana e também por outras atividades. É um campo de investigação que a gente tem, mas não tenho uma afirmação para colocar. Mas é uma preocupação que a gente tem e uma linha de investigação, como eu disse.
Uma reportagem recente do Fantástico afirmou que em 30 anos o Brasil perdeu 15% de sua superfície de água. A que se deve isso?
Ibraim Cruz – Esse foi um estudo do Mapbiomas levantou um alerta para todo o Brasil em especial para nossa região aqui com números alarmantes. O bioma do Pantanal, que abrange Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, teve uma redução de 78%. Números bastante preocupantes.
Quando a gente analisa esses efeitos da redução das massas d’águas, a gente tem que olhar em diferentes escalas. Temos a escala global, que é a alteração do processo de circulação de água no planeta. O principal para isso é o aquecimento global.
Podemos associar também essa redução das massas d’águas ao que a gente coloca como o a contribuição da vegetação nativa, em especial da Floresta Amazônica, na formação dos rios voadores que trazem essa umidade evaporada da Floresta Amazônica para nossa região.
Estudos realizados por pesquisadores do Inpe indicam que o sucessivo aumento do desmatamento da Amazônia vem contribuindo com a redução dessa umidade que chega aqui, em especial na região Norte, Sudeste, Centro-Oeste e Sul. Nós temos outro fator que é a variabilidade natural do clima. O próprio Pantanal já passou por secas severas como está passando no momento atual. Lá na década de 70.
Por exemplo, os eventos de El Niño e La Niña. A La Nina que tem um efeito de seca para nossa região. Então, na ocorrência de La Niña um dos efeitos esperado é a redução da precipitação na nossa região.
E aí, temos efeitos locais que a gente comentou anteriormente que é todo esse processo de o uso e ocupação da bacia hidrográfica. Temos que ter uma atenção também, não ficar só preocupado com a Amazônia, com o aquecimento global, mas nós temos uma responsabilidade local na proteção dos nossos mananciais.
A legislação define as áreas de APP (Área de Preservação Permanente), em torno de nascente dos rios. Mas, ainda não temos uma garantia de proteção nas áreas de recarga dos aquíferos. E essas regiões onde os aquíferos são recarregados são essenciais para essa comparação, que é encharcar a esponja e fazer com que os nossos mananciais permaneçam perenes mesmo em épocas de escassez híbridas.
E também uma preocupação recente, devido a expansão agrícola e essa insegurança climática que estamos passando, é a exploração das águas soterrâneas para fins não nobres, que é a irrigação. É claro que a irrigação é importante para aumento da produtividade, mas a gente precisa olhar esses usos com uma visão de sustentabilidade. Ter a segurança que aquele recurso hídrico não vai comprometer os mananciais superficiais, em especial no período de estiagem.
E dentro desse panorama de mudanças climáticas, o que nos espera?
Ibraim Cruz – O que a gente está passando é uma combinação de fatores. O que nos espera? Um aumento da frequência de eventos extremos, de grandes seca, grandes volumes de chuvas. Esses eventos se tornarão cada vez mais frequentes. O que podemos fazer para minimizar? Podemos atuar dentro dessas escalas que coloquei: redução de gazes de efeito estufa. Mas, em especial aqui, no efeito local, é definir ações para maximizar o uso dos recursos hídricos de maneira sustentável.
A gente tem aqui o Rio Cuiabá, uma preocupação, o Manso que está praticamente com 13% do seu volume útil. Chapada dos Guimarães, Poconé também têm um problema seríssimo de água. A captação deles secou. Tangará da Serra. São alguns exemplos de locais onde esses eventos de seca têm um reflexo direto pra população que depende do recurso.
É possível dizer que houve redução nos volumes de chuva nos últimos anos? Em que proporção?
Ibraim Cruz – Sim. Para você ter uma noção, aqui na nossa região, nessa parte mais alta, Cuiabá e Chapada, a precipitação média anual gira em torno de 400 a 500 milímetros por ano. Ano passado, o volume foi de mais de 400 milímetros. Quando a gente compara 2020 com 2021, somando as precipitações de janeiro a agosto, no ano passado foi de 680 milímetros. Nesse ano foi 534. É um ano ainda mais seco do que ano passado. Com base nesse resultado aqui, a gente identifica uma redução de 22% da precipitação.
Corremos o risco entrarmos em um período de não termos água para o mais básico?
Ibraim Cruz – Depende da região. Se a gente olhar aqui para região de Cuiabá, o Rio Cuiabá, o valor mínimo histórico registrado gira em torno de aproximadamente 60 metros cúbicos. Esse volume de água é mais do que suficiente para atender toda a necessidade das cidades que o Rio Cuiabá corta.
O problema não seria o rio, mas as captações de água. Porque as captações de água se posicionam num ponto do rio e se o rio secar mais do que o esperado, esses pontos podem ficar secos. As empresas de saneamento precisam adotar novas estruturas de prolongamento das suas captações para pegar água do ponto mais profundo do rio.
O problema da falta de água em Várzea Grande é a captação?
Ibraim Cruz – Ali é um problema do sistema de captação, tratamento e distribuição de água. Não é um problema com manancial. Hoje, o Rio Cuiabá está com mais de 100 metros cúbicos de água por segundo. É mais do que o suficiente para atender a demanda aqui de todas as cidades. O problema de abastecimento de Várzea Grande não é decorrente do manancial, mas sim das estruturas.
Como um País com um dos maiores reservatórios de água do mundo chegou a este ponto? É culpa por vivermos tantos anos com a “cultura da abundância”?
Ibraim Cruz – Eu vou dar uma opinião bem particular quanto a isso. Eu vejo que falta planejamento. A gente só se preocupa com a crise quando ela já estabeleceu. Nós temos que pensar em planos de contingências e escutar um pouco mais as agências de pesquisas. A crise hídrica, o que a gente está passando agora, a gente não descobriu agora. Tem os indicadores, em especial do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Especiais), que indicam que cenário para o próximo ano vai ser de escassez. Há previsões climáticas que fazem indicativos. Vejo que falta um planejamento que nos prepare para esses momentos.
As decisões precisam ser planejadas com antecedência. Depois que a situação já está estabelecida fica difícil qualquer tipo de ação
O que poderia ter sido feito de forma preventiva e não foi feito?
Ibraim Cruz – Por exemplo, fazer um planejamento para reservar água para o período de estiagem. Poderia ter uma estratégia.
No período chuvoso, o reservatório de Manso chegou até alcançar quase 50%, mas esse volume foi utilizado para produção de energia. A lei federal da política nacional de recursos hídricos fala que a gestão de recursos hídricos têm que atender os usos múltiplos e, em situação de escassez, tem que atender prioritariamente o abastecimento humano e a sustentação de animais.
Isso precisa ser colocado em prática. Como utilizar o recurso hídrico de maneira adequada que possamos atender todos os usuários. E nos planejar para o enfrentamento dessas condições.
Qual é a realidade dos reservatórios aqui de Mato Grosso?
Ibraim Cruz – Com exceção do reservatório de Manso, os demais estão operando com o volume do rio.
Mato Grosso possui quantos reservatórios?
Ibraim Cruz – Eu não sei do Estado todo, mas aqui na na nossa região, que é a bacia hidrográfica do Paraguai e onde eu faço as minhas pesquisas, temos aproximadamente 42 empreendimentos hidrelétricos com reservatório, entre usinas hidrelétricas e PCHs e CGHs, que são as centrais geradoras.
Corremos o corre risco de sofrer um apagão?
Ibraim Cruz – Essa não é muito a minha área de pesquisa. Mas, olhando pelo o que estou lendo dentro do cenário nacional, vejo que essa é uma preocupação, inclusive do Governo Federal, com relação a nossa segurança energética. Mas não tenho conhecimento para poder falar sobre esse assunto.
Quando se anda pela cidade, a impressão que se dá é que as pessoas não têm dimensão da importância de se economizar água. Falta educação nas pessoas?
Ibraim Cruz – Às vezes, as pessoas minimizam os riscos. Mas, quando a gente pensa em usuário de água, quais são os principais? O consumo humano é uma pequena proporção. O grande usuário de água é a agricultura e pecuária. É claro que é importante a gente conscientizar sustentável da água. A gente precisa ter essa economia. Mas o uso individual não é o principal vilão da história. A gente precisa olhar os usuários como todo.
E aí volta aquilo que eu falei sobre planejamento. Estamos escassez, vamos diminuir o consumo? Vamos reduzir por onde? Podemos pensar em um ranking, começando pelos grandes usuários.
Mas claro, precisamos de educação ambiental nas escolas, reconhecimento do valor da água, sensibilização da proteção de nascentes, destinação correta dos seus resíduos.
imtb