Não faz muito tempo que a Fórmula E despontou no cenário do automobilismo mundial com uma rápida ascensão. Em menos de uma década, orgulhava-se de ser frequentemente comparada à F1 e brigava para ser considerada internacionalmente a segunda maior categoria de monopostos.
Criado em 2014, o campeonato de carros elétricos conseguiu desde a sua estreia reunir alguns elementos importantes para se estabelecer como uma competição importante, como atrair grandes montadoras interessadas no desenvolvimento de veículos sustentáveis, além de pilotos em busca de desafios pós-F1, esteira pela qual passou o brasileiro Felipe Massa em 2018.
O rótulo de “categoria do futuro” e o fato de ser querida por um público mais jovem permitiam à FE sonhar com saltos maiores a cada temporada –segundo a categoria, 18% de seu público mundial é formado por pessoas de 18 a 30 anos. Tudo isso até o início da pandemia de Covid-19.
Se o passado apontava uma curva de crescimento, o presente revela futuro incerto. A categoria abriu a temporada 2023 neste sábado (14) no autódromo Hermanos Rodríguez, na Cidade do México, pressionada pela necessidade de recalcular sua rota para voltar a crescer.
“Este é um ano importante. Se este ano for imperfeito, teremos um grande problema”, diz, questionado pela Folha, o CEO da FE, Jamie Reigle. “Estou confiante de que seremos melhores [este ano]. Estou confiante de que o público vai gostar. Acho que é um bom momento.”
Na estreia da Gen3, a terceira e mais rápida geração dos carros elétricos, Lucas Di Grassi –campeão em 2014/15– largou na pole, mas acabou cruzando a linha de chegada em terceiro.
O britânico Jake Dennis venceu, e o alemão Pascal Wehrlein foi o segundo.
O autódromo estava lotado, e o público reagiu bem à corrida movimentada, como sinal de que o apelo pela competição ainda está vivo a despeito dos problemas enfrentados a partir de 2020, de duro impacto da Covid-19.
Inicialmente, estavam previstas 14 etapas em 12 cidades, porém sete provas foram adiadas e em seguida canceladas devido à crise. Era inviável manter a tradição de correr em grandes centros urbanos, uma das marcas da FE.
A solução para, ao menos, concluir o calendário daquele ano foi controversa. Houve seis provas em apenas uma semana, com rodadas duplas em Berlim, na Alemanha.
Para além da insatisfação do público, a perda de contratos com grandes cidades representou um baque financeiro para a categoria, uma das primeiras organizações do automobilismo a iniciar uma contenção de gastos devido à pandemia.
Isso gerou reflexos esportivos, como restrições orçamentárias para as equipes desenvolverem os carros. A limitação se chocava com a própria filosofia da FE de ser um laboratório para as montadoras, o que requer investimentos.
Não à toa algumas delas deixaram a competição e migraram para outros campeonatos de carros elétricos, como a WEC (World Endurance Championship), caminho pelo qual seguiu a Peugeot. Ao fim do último ano, a Mercedes também resolveu se retirar para se concentrar na F1 –em contrapartida, a McLaren fez a rota contrária e ingressou na competição de carros elétricos em 2023.
Principal público-alvo da FE, os jovens também foram seduzidos por categorias rivais, especialmente pela F1. Depois de historicamente ignorar esses fãs, a principal competição do automobilismo mundial passou a vê-los como a galinha dos ovos de ouro quando foi comprada pelo grupo Liberty Media, dos Estados Unidos.
Desde 2016, quando assumiram o controle da F1, os norte-americanos passaram a investir nos jovens e formaram uma nova geração de fãs atraídos, sobretudo, pela série “Drive to Survive”, da Netflix, sobre os bastidores da categoria e as relações entre pilotos e equipes.
Com sua essência afetada por restrições no regulamento e sem esse tipo de apelo midiático, coube a FE buscar alternativas para se manter atraente.
“O passado é passado. O futuro é sempre mais importante”, diz Jamie Reigle. “Estamos tentando criar um esporte onde, você sabe, somos comparados à F1 ou a grandes esportes que existem há muito tempo, e não temos aquela história. Então, para nós, o futuro é sempre o mais importante.”
A principal aposta do executivo é justamente a estreia da Gen3 neste ano.
O carro dessa geração é o mais rápido já feito pela categoria, com velocidade máxima de 320 km/h (40 km/h a mais do que a geração anterior). Também é ligeiramente menor, para facilitar ultrapassagens e evitar acidentes. E tem dois motores, um traseiro e um dianteiro, com capacidade de gerar energia a partir da frenagem.
O novo regulamento prevê uma mudança no formato das corridas, que não são mais fechadas por tempo, mas por voltas.
Depois de perder contratos com grandes cidades no auge da pandemia, a competição voltou a se expandir, com a inclusão de Hylderabad (Índia), Cidade do Cabo (África do Sul), Portland (Estados Unidos) e São Paulo, que fará a sua estreia em 25 de março.
“Quando você pensa nos mercados em que a FE não está presente, como o Brasil [agora presente], China continental e Japão [ainda fora], por exemplo, são mercados realmente importantes [para os carros elétricos]. Além disso, o Brasil tem uma grande história com automobilismo, é muito importante para nós”, afirma Jamie Reigle.
Serão ao todo 16 etapas, a última delas em Londres, em 30 de julho, quando será possível saber se o ano de 2023 conseguiu marcar o renascimento da competição de carros elétricos.
fonte: fe