Declarações simpáticas a Vladimir Putin por parte do presidente Jair Bolsonaro (PL) e pressões do agronegócio têm sido determinantes para que o Itamaraty inclua em suas manifestações oficiais na ONU sobre o conflito na Ucrânia acenos à Rússia, disseram à Folha interlocutores no governo.
Nos últimos dias, o governo Bolsonaro endossou resoluções no sistema das Nações Unidas que condenam a invasão do território ucraniano por forças russas. Mas o Ministério das Relações Exteriores tem colocado em declarações sinalizações que contemplam argumentos defendidos pelo governo de Putin, num movimento que preocupa diplomatas americanos e aliados.
Interlocutores dizem que as posições do Itamaraty têm sido definidas no mais alto nível e passado pelo crivo do Planalto. Em alguns casos, o ministro da Defesa, Braga Netto, também é chamado a opinar.
O receio de governos contrários a Putin é o de que as referências pró-Moscou sejam um prenúncio de uma mudança nos votos do Brasil, atualmente membro do Conselho de Segurança da ONU. Interlocutores no governo Bolsonaro ouvidos, porém, disseram que até o momento não está no radar uma alteração de rota.
Negociadores estrangeiros, ao mencionarem essa preocupação a autoridades brasileiras, recebem como resposta que o país é contra a violação das fronteiras ucranianas -mas que isso não o obriga a endossar integralmente a linha de ação das potências ocidentais e que a postura do Itamaraty tem sido coerente.
Atualmente, os membros do conselho negociam uma resolução sobre direito humanitário na guerra, e a chancelaria brasileira trabalha para emplacar uma linguagem que não seja condenatória ao Kremlin e que inste as partes a garantir a proteção de civis.
Após uma fala há pouco mais de uma semana com termos severos contra Moscou, as manifestações brasileiras na ONU têm seguido a linha de evitar expressões consideradas excessivamente agressivas contra os russos e, principalmente, contra Putin.
Em 25 de fevereiro, um dia depois do início da guerra, o embaixador do Brasil nas Nações Unidas, Ronaldo Costa Filho, disse que “um limite foi ultrapassado”.
“As preocupações de segurança manifestadas nos últimos anos pela Federação da Rússia, particularmente no que diz respeito ao equilíbrio estratégico na Europa, não conferem ao país o direito de ameaçar a integridade territorial e a soberania de outro estado”, disse o diplomata brasileiro na ocasião, num tom duro que não se repetiria no futuro.
Naquela sessão, o Brasil apoiou uma resolução que criticou fortemente a agressão militar promovida pelo Kremlin. O texto foi barrado pela missão russa na ONU, já que o país, detentor de cadeira permanente no Conselho de Segurança, tem poder de veto. Poucos dias depois, a delegação do Brasil em Nova York votou a favor de um projeto que convocou um debate de emergência sobre a crise ucraniana na Assembleia-Geral da ONU -em mais um gesto que contrariou os interesses russos.
Mas, em sua fala, Costa Filho criticou os pilares da estratégia do Ocidente para responder ao ataque: o fornecimento de armas à Ucrânia e a aplicação de sanções econômicas. “O fornecimento de armas, o recurso de ataques cibernéticos e a aplicação de sanções seletivas, que podem afetar setores como os de fertilizantes e trigo, com grande risco de fome, implicam no risco de agravar e prolongar o conflito”.
Assim, o embaixador brasileiro contemplou em seu pronunciamento temas que passaram a ser uma constante nas posições adotadas pelo governo brasileiro, que tem a ministra Tereza Cristina à frente da pasta da Agricultura: o medo de que as sanções tomadas contra Moscou prejudiquem o fornecimento ao Brasil de fertilizantes, essencial para o agronegócio. Em 2021, a Rússia, principal exportador do produto ao país, respondeu por 22% do total desses insumos comprados pelo mercado brasileiro.
Na sexta (4), o governo russo recomendou aos produtores de fertilizantes do país que suspendam suas exportações. O movimento joga ainda mais pressão sobre Bolsonaro, que viajou a Moscou em meados de fevereiro para, segundo ele, garantir o fluxo de importações de fertilizantes ao Brasil.
Além da influência do agronegócio, tem tido peso determinante para a inclusão da linguagem menos hostil ao Kremlin as defesas de Bolsonaro ao líder russo. Em 27 de fevereiro, Bolsonaro discordou do uso da palavra “massacre”, por uma jornalista durante uma entrevista, para definir a ação russa e ironizou o fato de Volodimir Zelenski ter trabalhado como comediante antes de se tornar presidente da Ucrânia.
“Você está exagerando a palavra ‘massacre’. Não há interesse por parte de um chefe de Estado praticar um massacre onde quer que seja”, disse Bolsonaro na ocasião. Na quinta (3), em outro afago ao líder russo, afirmou que Putin defendeu no passado a soberania brasileira sobre a Amazônia. “Ou seja, nós temos parceiros hoje em dia que nos ajudam nessas questões”, concluiu.
No discurso de 28 de fevereiro na Assembleia-Geral da ONU, no qual voltou a criticar a aplicação de sanções, o embaixador Costa Filho fez um dos mais claros acenos a Moscou em seus pronunciamentos -embora a missão brasileira tenha mais uma vez votado pela resolução condenatória à ação militar russa.
“O enfraquecimento dos acordos de Minsk por todas as partes e o descrédito das preocupações com a segurança vocalizadas pela Rússia prepararam o terreno para a crise que estamos vendo”, disse.
Objeções aos textos que têm sido votados no sistema ONU não se limitaram ao Conselho de Segurança e à Assembleia-Geral. Na sexta (4), o Conselho de Direitos Humanos aprovou a proposta de criação de uma comissão internacional de inquérito sobre violações ao direito humanitário após a invasão.
Embora tenha sido favorável à abertura da investigação, o chefe da delegação permanente do Brasil em Genebra, embaixador Tovar da Silva Nunes, justificou o voto com ressalvas a diferentes trechos do documento analisado. Disse que grande parte da linguagem utilizada na redação foi inspirada em iniciativas recentes no Conselho de Segurança e que conceitos relacionados aos direitos humanos e dos refugiados ficaram “imprecisos”. “No contexto do Conselho de Direitos Humanos, essa linguagem constitui precedente injustificável que só faz exacerbar a politização de nossas deliberações.”
folhapress