Do fundo do corredor central do plenário da Câmara dos Deputados, os olhos tímidos de Breno Rodrigues de Almeida, de 16 anos, procuravam uma brecha entre os fãs e funcionários do Congresso para ver o ídolo que acabava de chegar à mesa da Presidência. Esticava o pescoço, ficava na ponta dos pés, se apoiando como dava, tudo para ver Sir Lewis Hamilton, que recebeu o título inédito de cidadão honorário brasileiro.
No clima de autódromo que tomou conta do plenário da Câmara na tarde desta segunda-feira para homenagear o piloto britânico heptacampeão mundial de Fórmula 1, o jovem Bruno, menino negro nascido em Brasília, auxiliar de escritório há quatro meses do Senado Federal, estava ansioso para acompanhar a sessão solene que transformou o piloto em cidadão honorário do Brasil.
“Ele me inspira bastante, mesmo sabendo que eu quero seguir outro esporte”, disse Breno, que sonha em ser, um dia, jogador de futebol pelo Flamengo. “O esporte é outro, mas ele é um ídolo, um exemplo grande para mim. Com as palavras dele, me incentivo a buscar, a querer chegar onde eu quero.”
Na tribuna, Lewis Hamilton falou ao coração de Bruno e de centenas de jovens que se aboletaram nas poltronas de parlamentares e ocuparam a casa do povo. Depois de dar uma “boa tarde” em português, quase sem sotaque, Hamilton contou que, desde criança, com cinco anos de idade, disse que queria ser piloto de Fórmula 1 ao ver Ayrton Senna na televisão, ouvia que tinha de desistir e que aquilo seria impossível.
“Sempre me diziam que eu deveria desistir, que não teria como chegar lá. Disseram que eu nunca conseguiria. Então, eu digo a vocês, tenham foco e persistam”, disse o piloto, aplaudido com gritos de “I love you”, cercado com por faixas com suas fotos e frases de carinho ao atleta.
Lewis Hamilton foi o primeiro estrangeiro a receber o título de cidadão honorário brasileiro. Dedicou a honraria a Ayrton Senna, seu grande ídolo, agradeceu o carinho dos fãs e disse que não vê a hora de passar mais tempo no Brasil e conhecer lugares como a Amazônia. “Estou muito honrado por esse amor que sempre me demonstraram. Muito obrigado do fundo do meu coração. Eu, agora, posso dizer finalmente que sou um de vocês.”
A ideia de fazer a homenagem tem origem no carinho que Hamilton demonstra ao Brasil e que culminou, em novembro do ano passado, numa homenagem a Ayrton Senna. Após vencer o Grande Prêmio de Fórmula 1 de Interlagos, em São Paulo, o britânico repetiu o gesto de cidadão honorário brasileiro que Senna havia feito exatamente 30 anos atrás, dando mais uma volta no autódromo com a bandeira do Brasil. Hamilton usou, ainda, um capacete com as cores da bandeira brasileira, em homenagem ao ídolo da velocidade.
De frente para fileiras tomadas por crianças, adolescentes e famílias inteiras que vieram de diversas cidades para ver o piloto, o presidente da Câmara, Arthur Lira, até que tentou acionar a sirene para pedir silêncio, mas não teve tanto sucesso. “Hoje, esta sessão está quebrando todos os protocolos”, comentou, em tom de brincadeira.
Depois de fazer um discurso de abertura onde destacou as vitórias de Hamilton, Lira disse que o País, a partir de agora, passava a ser, oficialmente, um lar oficial do atleta. “Que o senhor possa retornar a esse país que agora também é seu”, disse.
O deputado federal André Figueiredo (PDT-CE), que foi o autor do pedido para homenagear o britânico, aproveitou a oportunidade para lembrar que a bandeira brasileira, símbolo maior da Nação, revive seu papel maior nas mãos de Hamilton: o de união e orgulho do povo. “O esporte ensina que adversário não é inimigo. Existe a beleza de serem, todos, brasileiros.”
Foi esse o sentimento que fez Marisa de Paiva, 19 anos, sair de Goiania para acompanhar, pessoalmente, a solenidade em Brasília. “É a realização de um sonho, porque o Hamilton é essa imagem de atleta, de pessoa, de quem luta pelos direitos de todos, então isso aqui é muito especial”, diz Marisa, que tem um Hamilton de papelão no quarto de casa.
No dia 13 de novembro, no 50º aniversário do primeiro Grande Prêmio do Brasil, Hamilton vai correr em Interlagos, prova que já venceu três vezes e onde se tornou campeão mundial pela primeira vez, em 2008. Marisa de Paiva já comprou o ingresso e irá até São Paulo para ver o ídolo.
Hoje, Hamilton está empatado com Michael Schumacher no recorde de títulos mundiais: sete. O britânico detém vários outros recordes, incluindo o de número de vitórias e de pole positions.
O assessor legislativo do Congresso, Francisco Garcia, trouxe a mulher Maísa Garcia e seus quatro filhos para acompanhar a solenidade. “A Fórmula 1 lembra muito a nossa infância. É uma forma de relembrar o que vivemos com Ayrton Senna quando éramos crianças”, diz a mãe. “É uma maneira de dividir um grande exemplo de pessoa com nossos filhos.”
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