Enquanto Mato Grosso do Sul se prepara para a Rota Bioceânica, especialistas já apontam algumas tendências e perspectivas do ponto de vista econômico, com a implantação desta nova alternativa para alcançar o mercado asiático. A professora Doutora Luciane Cristina Carvalho, coordenadora do curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), estuda a Rota há cinco anos. Para ela, a Rota Bioceânica terá como principal atrativo a inclusão de produtos locais.
“Há perspectiva de ampliar as exportações dos produtos que já são comercializados com o continente asiático e que representam cerca de 50% das exportações de Mato Grosso do Sul. Além disso, haverá uma maior integração regional com os países vizinhos”, garante a pesquisadora.
Na avaliação da pesquisadora, existe uma tendência do aumento na comercialização de carnes, alimentos processados, pescados, vestuários, celulose e minérios.
“Existe ainda a possibilidade da entrada de novos produtos na cesta da balança comercial. Isso vai depender também do empreendedorismo no estado e da oferta, por exemplo, da economia criativa”, avalia.
De acordo a professora, a Rota Bioceânica ainda vai proporcionar a criação de diversos empreendimentos, como por exemplo, o estacionamento de repouso. “Já existe um que foi implantado por uma distribuidora em Porto Murtinho. Mas, poderão surgir outros para suportar o fluxo de trânsito e também a criação de postos alfandegários e espaços para as agências intervenientes do comércio exterior. Em Campo Grande, há expectativa que a capital se torne um hub logístico. É importante a criação de um centro de distribuição e a criação da Estação Aduaneira do Interior (EADI) ou um porto seco”, menciona a professora da UFMS.
Só para se ter ideia do potencial econômico da Rota Bioceânica, de janeiro a setembro deste ano, as exportações sul-mato-grossenses contabilizaram cerca de US$ 7,2 bilhões e as importações em torno de US$ 2 bilhões, indicando um superávit de US$ 5,2 bilhões. Junto ao mercado asiático, esta representatividade é ainda mais expressiva, totalizando cerca de US$ 3,2 bilhões para países como a China, Taiwan, Tailândia e Hong Kong.
“As cidades que estão ao longo da Rota podem se aproveitar muito, ofertando aos passageiros produtos e serviços. Há um potencial para novos investimentos privados, o que contribuirá para aumento de emprego, maior arrecadação fiscal para os municípios, incremento no setor de serviços, em especial, o turismo. No entanto, este potencial vai demandar melhoria em infraestrutura, como postos de gasolina, hospedagem, bares e restaurantes, oficinas, lojas de peças automotivas, além da qualificação da mão-de-obra.
Ainda há muitos desafios a serem superados. Em outubro, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil e a União Internacional dos Transportes Rodoviários (IRU) promoveram em Campo Grande o Seminário “A utilização de instrumentos de trânsito internacional para a dinamização do Corredor Bioceânico”.
Por parte do MRE, coube ao ministro João Carlos Parkinson de Castro fazer a palestra sobre as possibilidades do novo corredor internacional e os benefícios da adesão do Brasil à Convenção TIR – Sistema de trânsito internacional da ONU que permite o transporte de mercadorias através de vários países. Para ele, a implantação da Rota é a concretização da reconfiguração geoeconômica brasileira.
Com relação aos produtos que poderão ser transportados pela Rota, Parkinson afirma que serão de maior valor agregado e que possam ser conteinerizados. “O Corredor se presta essencialmente para a movimentação de cargas em contêineres. Isto significa que poderemos ter óleos de soja, proteínas animais, algodão, celulose, por exemplo. ”
Para o ministro do MRE, o traçado tortuoso da Rota pelos Andes, com altitudes superiores a 4 mil metros, com subidas e descidas, dificulta a movimentação de grandes carretas com cargas a granel. Na avaliação do diplomata brasileiro, a carga a granel só será possível se tiver avanços com a integração ferroviária. “Para isso, é necessário, a cooperação de países como a Argentina, que promova investimentos no trecho de 50 km de Yacuiba (Bolívia) até Salta (Argentina) e que precisam ser reabilitados para o escoamento através da Malha Oeste, Ferrovia Boliviana Oriental e Belgrano Cargas Norte”, complementa.
Em sua apresentação, o ministro Parkinson avalia que a Rota pode trazer uma redução de custos de cerca de 49% podendo chegar até 68%, em comparação com o caminho tradicional pelo Atlântico, via os portos de Santos e Paranaguá. Os produtos elencados, por ele, para atravessarem, via Rota Bioceânica, são as frutas, crustáceos, conservas, pescados, bebidas, açúcar, arroz, sucos e complexos de soja e milho.
Já na avaliação do professor Francisco Bayardo Mayorquim Horta Barbosa, doutorando em Engenharia da Produção e docente da UFMS, as empresas que optarem em distribuir seus produtos pela Rota Bioceânica vão ampliar mais facilmente suas operações, provavelmente, em função de um frete mais competitivo.
“A Rota se tornará competitiva para produtos como a carne bovina. Hoje, a carne produzida no Mato Grosso do Sul utiliza três caminhos rodoviários para alcançar o Chile. O primeiro, via Foz do Iguaçu, no Paraná; o segundo, via Dionísio Cerqueira, em Santa Catarina; e a terceira via é por meio de São Borja, no Rio Grande do Sul. Praticamente, 50% sai pelo estado gaúcho até chegar a área central do Chile. Não estamos aqui nem comentando a carne que segue para a Ásia pelo porto de Paranaguá”, argumenta.
Para o professor Francisco, que estuda em seu doutorado a Contabilidade Ambiental, a Rota poderá proporcionar ao Mato Grosso do Sul dobrar a quantidade de exportação de proteína animal para o Chile.
Francisco analisa também que é imprescindível ter uma carga de retorno para baratear o frete. “Outros produtos estão na pauta de retorno, como por exemplo, o sal. Os grãos não são competitivos para rodar 2 mil km até alcançar o Chile.”
Ainda segundo o estudioso, outras cidades podem também se juntar à capital como locais logísticos, é o caso de Sidrolândia e Jardim, que podem se tornar pontos de apoio.
Ele acredita que os maiores desafios no contexto da Rota, ainda é a qualificação profissional em regiões como Porto Murtinho, além da conectividade digital e postos de abastecimento de combustíveis.