Lai Ching-te, 64, do Partido Democrático Progressista (PDP), candidato mais favorável à independência da ilha, venceu as eleições e será o presidente de Taiwan nos próximos quatro anos, após votação neste sábado (13). Sua posse está prevista para 20 de maio.
Ele alcançou 40,1% dos votos, contra 33,5% de Hou Yu-ih (Kuomintang, KMT) e 26,5% de Ko Wen-je (Partido do Povo de Taiwan, PPT). Lai é o atual vice-presidente, e sua eleição representa a inédita terceira vitória seguida para um partido na ilha.
Em pronunciamentos, Hou e Ko reconheceram a vitória do adversário. Defensores da retomada dos contatos com a China, os dois chegaram a anunciar uma chapa única, mas não conseguiram acordo sobre quem seria o candidato.
O porta-voz do Escritório para Assuntos de Taiwan, Chen Binhua, disse em Pequim que os resultados mostram que o PDP “não pode representar a opinião pública na ilha”. Afirmou que as eleições “não vão impedir a reunificação”, acrescentando: “Nossa determinação é firme como uma pedra”.
Em seu discurso de vitória, com pausas para tradução em inglês, Lai começou saudando a própria eleição. “Nós mostramos ao mundo o quanto valorizamos a nossa democracia”, disse. “Este é o nosso compromisso inabalável.”
Depois acrescentou que o resultado do pleito foi uma mensagem à “comunidade internacional de que, entre democracia e autoritarismo, ficamos do lado da democracia. A República da China [nome oficial da ilha], Taiwan, vai continuar a caminhar ao lado das democracias ao redor do mundo”.
Especificamente sobre Pequim, afirmou: “Sob a premissa de igualdade e paridade, usaremos intercâmbios para substituir o obstrucionismo, o diálogo para substituir o confronto e buscaremos com confiança intercâmbios e cooperação com a China. Isto fará avançar o bem-estar das pessoas de ambos os lados do Estreito de Taiwan e alcançar o nosso objetivo de paz e prosperidade comum”.
Ressalvou porém que, “ao mesmo tempo, estamos também determinados a salvaguardar Taiwan das contínuas ameaças e intimidações por parte da China”.
Lai agradeceu os telefonemas de congratulação dos dois adversários e, citando o desempenho de ambos na eleição para o Legislativo, disse que espera que eles possam “trabalhar juntos”. Ainda sem os números finais, é certo que não haverá partido com maioria, o que deve forçar uma composição para a escolha de primeiro-ministro e parte do gabinete.
“O PDP não manteve uma maioria, isso significa que nós temos que trabalhar duro”, detalhou. “Eu defenderei o espírito de união democrática. Independentemente do partido, devemos escolher as pessoas pelo talento. E priorizaremos questões que sejam consenso entre todos os partidos.”
Em seu pronunciamento aceitando a derrota, Hou havia aconselhado Lai a buscar unidade com os partidos de oposição, diante dos “desafios, a crise no estreito, as relações complicadas entre EUA, China e Taiwan, para que o povo possa viver com segurança”.
Marcadamente contrário à China, Lai durante a campanha buscou se afastar de declarações anteriores, em que descrevia a si mesmo como “um trabalhador pragmático pela independência”. Passou a dizer que Taiwan já é independente, como República da China. Mas deslizes na reta final mostraram que sua capacidade de moderação é limitada.
No único debate entre os candidatos, há duas semanas, ele falou que não se pode confiar na Constituição da República da China para negociar com Pequim, indicando que poderia buscar mudanças. Foi uma divergência frontal com a postura histórica da presidente Tsai Ing-wen, também do PDP, mas de ala mais conciliatória.
“Esse tipo de comentário de Lai no mínimo levanta dúvidas quanto à sua capacidade de manter disciplina ao abordar questões sobre o estreito”, avaliou Amanda Hsiao, analista do think tank europeu Crisis Group, durante a transmissão da apuração na TV pública de Taiwan.
Agora, o presidente eleito pareceu fazer uma correção: “Manter a paz no estreito é uma missão importante para mim. Respeitarei a Constituição da República da China”.
Não à toa, Lai foi contido e falou pausadamente. Para Hsiao, tanto Pequim quanto Washington vão medir as palavras dele até a posse, “num teste de como Lai se comporta, sobre segurança nacional e outros assuntos”. Ela acredita que o pronunciamento mais significativo, para tanto, será aquele a ser feito no próprio dia 20 de maio.
A eleição foi acompanhada com atenção por China e EUA, inclusive com uma reunião que tratou do tema em Washington, na véspera, entre o chefe do Departamento Internacional do Partido Comunista, Liu Jianchao, e o secretário de Estado, Antony Blinken.
Com o resultado público, o presidente dos EUA, Joe Biden, foi novamente questionado sobre sua posição em relação à ilha. “Não apoiamos a independência”, disse, reforçando a posição história de Washington.
Em Pequim, também um dia antes, a porta-voz do Ministério do Exterior, Mao Ning, afirmou que, “qualquer que seja o resultado, ele não vai mudar o fato básico de que Taiwan faz parte da China e de que só existe uma China”. Foi horas depois de o Ministério da Defesa chinês afirmar que iria “esmagar qualquer plano separatista”.
Nas primeiras horas da votação, que começou às 8h de sábado (21h de sexta em Brasília), a hashtag Eleição em Taiwan chegou ao alto da rede social chinesa Weibo, com mensagens em apoio à reaproximação. Mas ela acabou sendo derrubada, passando a entrar o aviso de que “o conteúdo deste tópico não está sendo exibido, de acordo com as normas”.
As urnas foram fechadas às 16h (5h em Brasília). O comparecimento foi inferior ao da última eleição, 69% contra 75% em 2020. Um dos motivos seria a desmobilização dos jovens taiwaneses, atentos a problemas como moradia, que não tiveram ressonância na campanha.
Ao longo do dia, os candidatos votaram sem incidentes nos seus distritos. Lai em Tainan, cidade no sul da ilha; Hou em Nova Taipé, onde é prefeito, e Ko em Taipé, a capital taiwanesa, onde foi prefeito. O atual prefeito da capital, Chiang Wan-an, votou ao lado do vice de Hou, Jaw Shaw-kang. Bisneto do ex-líder Chiang Kai-shek, Chiang ganha estatura no KMT, a partir de agora.
A LINHA DO TEMPO DE TAIWAN
1601-1682
Ilha não tem autoridade central. É parcialmente ocupada por europeus por algumas décadas
1683-1894
Torna-se parte da China sob a dinastia Qing
1895
Torna-se colônia do Império do Japão após ele vencer a primeira guerra sino-japonesa
1945
Japão, obrigado a ceder todos os seus territórios no exterior após a Segunda Guerra Mundial, devolve a ilha à então República da China
1949
Governo da República da China se transfere para a ilha após o Partido Nacionalista (Kuomintang, KMT), de Chiang Kai-shek, ser derrotado na guerra civil pelo Partido Comunista, de Mao Tse-tung; no fim dos anos 1940, chineses de diversas províncias continentais migram para a ilha (hoje eles respondem por 15% da população) e juntam-se aos descendentes de grupos continentais que migraram das províncias de Fujian e Guandong sobretudo entre os séculos 14 e 17 (hoje 80% dos habitantes).
1950-1959
Com apoio dos EUA, a República da China implementa uma reforma agrária que abre caminho para maior produção agrícola e crescimento econômico; prosperidade rural estimula o desenvolvimento industrial e urbano
1960-1969
Investimentos da década anterior levam a um “milagre econômico”, com taxas anuais de crescimento do PIB que chegam a dois dígitos
1971
República da China, conhecida como China nacionalista, perde sua cadeira na ONU para a República Popular da China, ou China comunista, e ilha passa a ser tratada por Taiwan ou Formosa; industrialização voltada para exportação se acelera nos anos 1970, partindo de têxteis para aparelhos eletrônicos
1985
Ministro Li Kwoh-ting contrata o executivo Morris Chang para comandar a expansão de chips na ilha, segundo a lenda dizendo a ele “queremos uma indústria de semicondutores; de quanto dinheiro precisam?”; a TSMC é fundada dois anos depois
1987
É suspensa a lei marcial vigente desde 1949 e começa a democratização da ilha
1992
Dois lados do estreito aceitam o princípio de “uma China”, mas podendo definir separadamente o que é China
1996
Primeiras eleições presidenciais culminam com vitória do KMT
2000
Primeira vitória do Partido Democrático Progressista inicia a alternância no poder; dois mandatos de Chen Shui-bian terminam marcados por corrupção, conflitos étnicos e deterioração das relações com China e com EUA
2008
Efeitos da crise financeira nos EUA atingem taxas anuais de crescimento, que caem de patamar a partir de então
2014-2015
Então em fim de mandato, presidente Ma Ying-jeou (KMT) vê seu projeto de acordo comercial com a China ser inviabilizado por protestos estudantis
2016
Tsai Ing-wen (PDP) é eleita presidente; seus dois mandatos são marcados por redução de contatos com a China de Xi Jinping e aproximação com os EUA de Donald Trump, incluindo por meio da compra de caças, mísseis e tanques americanos
2022
A então presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, visita Taiwan, ampliando a deterioração nas relações com Pequim, que cerca a ilha e depois passa a fazer exercícios militares intermitentes
2024
Lai Ching-te (PDP), candidato anti-China, é eleito presidente de Taiwan. Sua posse é prevista para 20 de maio.
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