Integrantes da cúpula da Polícia Federal querem o quanto antes um desfecho das investigações sobre as suspeitas de interferência política de Jair Bolsonaro na corporação.
A dilação do inquérito que contrapõe o presidente a Sergio Moro, avaliam esses policiais, é motivo de exposição para a PF, no centro de polêmicas envolvendo o Palácio do Planalto nos últimos tempos.
A chegada do ex-ministro da Justiça à pré-campanha presidencial para 2022 amplia esse desgaste.
Aliados de Moro afirmam que as suspeitas que pesam contra o chefe do Executivo relativas à polícia serão inevitavelmente tema a ser explorado durante a campanha. E defendem a criação de mecanismos para blindar a polícia da ingerência dos políticos.
A tese de que Moro tentou salvar a polícia de Bolsonaro segue de pé e é motivo de instabilidade, disse à reportagem um policial do alto escalão.
Do lado presidente, a aposta é a de que o inquérito policial nada provará sobre as suspeitas e que o ex-juiz da Lava Jato sairá do episódio desmoralizado.
A apuração foi aberta em abril de 2020 a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República), após a saída de Moro do governo, quando pediu demissão do cargo e denunciou uma suposta interferência de Bolsonaro na PF para a proteção de aliados e familiares.
O inquérito prolongou-se, entre outras razões, pelas dúvidas suscitadas quanto ao modelo de depoimento que Bolsonaro deveria prestar. Ele se negou a ser interrogado pessoalmente. Depois, admitiu prestar o depoimento. Nesse vaivém, mais de um ano se passou à espera de uma definição.
O inquérito está a cargo da Cinq (Coordenação de Inquéritos nos Tribunais Superiores), chefiada pelo delegado Leopoldo Soares Lacerda, que interrogou o presidente no início de novembro no Palácio do Planalto.
Bolsonaro negou as acusações e afirmou que o ex-ministro condicionou uma troca no comando da PF à sua indicação para uma cadeira no Supremo, declaração rebatida por Moro.
Busca-se desvendar no inquérito se o mandatário, motivado por interesses pessoais, demitiu o então diretor da PF, Maurício Valeixo, aliado de Moro desde os tempos de Lava Jato, e se também forçou a troca do superintendente no Rio.
Há nos autos material que permite aos investigadores avaliar se as alegações do ex-ministro da Justiça configuram tipos penais tais como advocacia administrativa e obstrução de Justiça.
São mensagens de WhatsApp enviadas por Bolsonaro ao ex-comandado ou comentários do presidente sobre o assunto durante reunião ministerial.
Via aplicativo, segundo transcrição do depoimento prestado por Moro à PF, Bolsonaro escreveu: “Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”.
Em outra mensagem, Bolsonaro compartilhou o link de uma reportagem com o título “PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas”. E escreveu: “Mais um motivo para a troca”.
Policiais da cúpula da corporação com conhecimento dos autos dizem que o conteúdo do inquérito se mostrou insuficiente para atribuir a Bolsonaro condutas criminosas. Caberá, no entanto, à Cinq, coordenada pelo delegado Lacerda, a conclusão final.
A expectativa interna em torno dessa providência é a de que ela seja sacramentada tão logo fosse resolvida uma dúvida acerca do interrogatório do presidente.
A defesa de Moro acionou o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF (Supremo Tribunal Federal), sob o argumento de que tinha o direito de acompanhar o depoimento e fazer perguntas.
Os advogados do ex-ministro consideraram válida uma decisão de 2020 do então decano do Supremo, Celso de Mello, que lhes assegurou, em caráter excepcional, essa participação.
A PF não se manifesta sobre o assunto. Para o comando da PF, o depoimento do presidente foi realizado dentro dos parâmetros definidos pelo Supremo.
Moraes consultou o procurador-geral da República, Augusto Aras, que opinou pela manutenção do interrogatório do presidente nos moldes realizados pela polícia.
Em duas manifestações enviadas em setembro ao magistrado, um mês antes do depoimento do ocupante do Planalto, Aras havia ponderado a necessidade de intimação da Procuradoria e dos advogados dos investigados quando da realização de oitivas.
Em decisão já publicada, Moraes confirmou a validade do depoimento.
É atribuição do presidente da República a nomeação de ministros e de qualquer outro cargo da estrutura do Poder Executivo, incluindo a PF.
Uma semana após o presidente apresentar sua versão à PF, Moro desembarcou em Brasília para se filiar ao Podemos. Ao discursar, ele não falou especificamente sobre as investigações em andamento na polícia, mas fez menção ao assunto em linhas gerais.
Disse que é preciso garantir “a autonomia da Polícia com mandatos para os diretores, impedindo que haja interferência política em seu trabalho”.
Após Moro deixar o governo, o chefe do Executivo decidiu nomear para o cargo o delegado Alexandre Ramagem, um amigo da família Bolsonaro.
Moraes, porém, vetou a posse de Ramagem sob a alegação de que violava o princípio da moralidade e da impessoalidade. Ramagem é atualmente o diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).
Para o senador Marcos do Val (Podemos-ES), o caso protagonizado por Bolsonaro e Moro inevitavelmente será abordado na campanha. “Esse debate vai acontecer”, disse ele, convidado pelo ex-ministro da Justiça a alinhavar um programa de governo para a área de Segurança Pública.
Nas conversas com representantes do partido, frisou Do Val, o pré-candidato ao Planalto pelo Podemos não detalhou as eventuais interferências políticas de Bolsonaro na polícia. Disse que cabe à Justiça dar uma resposta sobre as suspeitas.
“Ele [Moro] não deu liberdade para aprofundar o assunto, mas disse que não conseguiu levar adiante o trabalho que se propôs a fazer.”
Para o senador, a implantação de uma lista tríplice para a escolha do diretor-geral da PF, a exemplo do que já ocorre em órgãos estaduais da Segurança Pública, contribuiria para blindar a PF de ingerência política. “É mais equilibrado e justo”, disse Do Val.
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