Os ataques do presidenciável Ciro Gomes (PDT) a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) têm ficado sem respostas diretas das campanhas rivais, reforçando o isolamento do ex-ministro no momento em que ele busca furar a bolha da polarização e dissipar pressões por desistência.
A estratégia de se contrapor a Lula, que levou à debandada de aliados como o deputado federal Túlio Gadêlha (que migrou do PDT para a Rede Sustentabilidade), é vista como ineficaz para a atração de votos até por correligionários, que nos bastidores avaliam que ele tem pesado a mão.
O discurso ficou evidente no debate virtual com Gregorio Duvivier, no último dia 20, feito a convite do pedetista em seu canal no YouTube, depois que o humorista o criticou no programa “Greg News” (HBO) e pregou voto em Lula no primeiro turno. O resultado para o pré-candidato foi discutível.
Ciro adotou a linha belicosa contra os favoritos para conquistar votos de eleitores pouco convictos de ambos, que só estão com um dos líderes por rejeição ao nome do outro lado, e dos que rejeitam os dois ou ainda estão indecisos.
Terceiro colocado na corrida, ele teve 7% no Datafolha divulgado na quinta-feira (26) e disse que ainda há tempo para mudanças no quadro. Apesar da distância para Bolsonaro (27%) e Lula (48%), frisou que ampliou sua vantagem em um eventual segundo turno contra o presidente (52% a 36%).
Os dois favoritos têm deixado o ex-ministro falando sozinho por diferentes razões.
O petista até ensaiou uma reprimenda em março de 2021, quando voltou ao xadrez político após a anulação de suas condenações, dizendo que o outrora aliado precisava “se reeducar e aprender a respeitar as pessoas”. Depois passou a afirmar que não responderia “às ilações” de Ciro sobre ele.
A cúpula do PT evita rebater acusações e xingamentos pelo motivo óbvio de que isso daria a relevância que o adversário busca em uma disputa protagonizada por Lula e Bolsonaro, mas também para não implodir pontes que podem ser úteis adiante nas negociações partidárias.
Petistas trabalham pelo apoio do PDT já no primeiro turno, derrubando a pré-candidatura do ex-ministro, e dão como certa uma aliança em um eventual segundo turno.
A pressão é feita com o argumento de que a retirada pode antecipar a vitória de Lula, percepção reforçada na quinta após o Datafolha.
O presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, diz que a candidatura própria é irrevogável, mas não fecha portas para o diálogo. Reclama, porém, da abordagem agressiva e alerta que ela pode azedar o clima.
Ciro, por outro lado, descarta qualquer hipótese de reaproximação com o PT.
No caso de Bolsonaro, mais preocupado em antagonizar Lula e alimentar uma onda de voto útil movida pelo antipetismo, há o entendimento de que a demonização da esquerda pega Ciro por tabela e que voltar baterias contra um adversário hoje inexpressivo seria perda de tempo.
Os cálculos envolvem ainda a percepção de que uma fatia do eleitorado do pedetista migrará espontaneamente para Lula, com baixa chance de o atual ocupante do Planalto herdar algo.
Ciro é, segundo a assessoria jurídica da pré-campanha de Bolsonaro, o presidenciável que desfere o maior número de ataques ao mandatário. Falas que incluem termos como “ladrão”, “bandido” e “miliciano” poderiam ensejar ações por crime contra a honra ou propaganda eleitoral antecipada.
No entanto, de acordo com a advogada Caroline Lacerda, da equipe que auxilia o PL, o partido vem optando por rejeitar a apresentação de eventuais processos “para não dar palanque para um candidato que não tem a mesma envergadura” que o presidente nas pesquisas.
“A avaliação [do PL] é que é justamente atenção o que ele quer”, diz ela. Nesta semana, a sigla de Bolsonaro foi ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contra Lula e o PT por propaganda irregular.
Ciro alcançou projeção com a live em que bateu boca com Duvivier, e atiçou militâncias nas redes, com repercussão entre quadros partidários e influenciadores.
Uma análise da consultoria Quaest feita a pedido da reportagem mostrou, porém, que o sentimento majoritário sobre o presidenciável nas principais plataformas foi negativo, sobretudo em relação ao tom reativo.
No período de 13 dias que compreendeu a exibição do “Greg News” e o debate, o valor negativo das menções bateu 38%, enquanto o neutro ficou em 37% e o positivos foi de 25%. Conforme a Quaest, o político foi citado 51% mais na comparação com a semana anterior ao estudo.
Outro efeito desvantajoso, observa Pedro Bruzzi, da consultoria de análise de mídias sociais Arquimedes, foi que, das 20 postagens mais compartilhadas sobre o assunto no Twitter, apenas uma foi favorável ao pré-candidato -e publicada por seu próprio perfil.
Segundo levantamento inédito da Arquimedes, a maior parte (64%) das interações sobre a live foi ligada a perfis de apoiadores de Lula, sob viés crítico. E uma fatia de 15% foi atrelada a bolsonaristas, que recortaram e difundiram partes da conversa com ataques de Ciro ao ex-presidente.
Os deputados federais Bia Kicis (PL-DF) e Carlos Jordy (PL-RJ), da tropa bolsonarista no Congresso e nas redes, reverberaram trechos.
Foi isso o que levou, por exemplo, o ex-deputado federal Jean Wyllys (PT) a afirmar que o ex-ministro desempenha “o papel deplorável” de “linha auxiliar do fascismo”. Após a repercussão majoritariamente negativa, o presidenciável abandonou o tema. Correligionários também se calaram.
O próprio Bolsonaro deixou de lado a postura de desconsiderar Ciro e, recorrendo a um meme, postou uma montagem em que aparece diante de uma TV com uma cena do debate. Para ironizar, estocou seu campo adversário, afirmando na sequência que “a esquerda defende descriminalização das drogas”.
Aliado de Ciro, o deputado federal Pompeo de Mattos (PDT-RS) diz que o presidenciável está de olho na “maioria silenciosa” que pode rever as opções declaradas hoje nas pesquisas. A decolagem virá na campanha, prevê ele, quando o pedetista for visto como alternativa a Lula e a Bolsonaro.
“O Ciro não é um torcedor de um ou do outro. Tu não vai elogiar aquele com quem tu disputa, tu vai enfrentar”, afirma o parlamentar e presidente do PDT gaúcho.
“Pode-se até dizer que ele carregou demais [nas críticas a Lula]. Tudo o que for exagero não é bom para ninguém, mas dizer coisa que tenha pé, fundamento [é correto]. O que o Ciro tem dito do Lula é menos do que o Bolsonaro diz do Lula. A diferença é que o Ciro tem credibilidade, e o Bolsonaro não tem.”
Para a cientista política Deysi Cioccari, a cacofonia reflete a desorientação do discurso do pedetista, que tem dificuldade de delimitar o perfil de seu eleitorado e de formatar sua mensagem.
“O discurso dele está muito truncado e só chega aos eleitores que ele já tem, insuficientes para alavancá-lo”, diz.
Ela aponta ainda a contradição entre os ataques ao PT e as boas relações do PDT com o partido de Lula em estados como Ceará e Maranhão. “Ele erra quando faz isso.”
A pesquisadora considera que o político desperdiçou a chance de aproveitar a audiência dos seguidores de Duvivier e tentar colher algum dividendo. “Ele se exaltou e perdeu o controle. Ficou atacando o eleitor do Lula. Isso só o isola cada vez mais”, comenta Deysi.
Marqueteiro que já coordenou campanhas do PT e do PSOL, Chico Malfitani endossa o diagnóstico, ao dizer que “ninguém consegue no atual cenário ser mais anti-Bolsonaro do que Lula, e vice-versa”.
“Ao optar pelo embate direto com os dois, ele acaba se diluindo. Ele é mais um que ataca e, com isso, se iguala ao Bolsonaro e ao Lula. Falta algum diferencial”, diz.
Malfitani afirma que, no fim, vale a regra básica da propaganda de que é mais importante despertar o desejo de consumir o seu produto do que atacar o concorrente.
“Não dá para o Ciro agora, depois de uma vida toda à esquerda, querer se viabilizar pela direita. Pela lógica, ele deveria mirar o Bolsonaro.”
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