Mudança na Lei de Improbidade Administrativa deve anular ações abertas contra quatro partidos envolvidos na Lava Jato

A  mudança na Lei de Improbidade Administrativa deve anular ações abertas contra quatro partidos envolvidos na Lava Jato nas quais há pedidos de ressarcimento aos cofres públicos de mais de R$ 1 bilhão.

O PT, o PP, o PSB e um diretório estadual do MDB são alvos de ações cíveis que pedem a devolução de valores desviados da Petrobras em casos investigados pela operação deflagrada no Paraná.

O projeto que altera a Lei de Improbidade Administrativa, porém, estabelece que as legendas só podem ser processadas com base na Lei dos Partidos, de 1995, e não por meio dessa legislação.

Essas mudanças tendem a ser usadas para favorecer os réus que têm hoje processos em tramitação, como os que correm em Curitiba contra as quatro legendas.

Patrocinado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ele próprio incluído na ação de improbidade contra o PP no Paraná, o projeto foi aprovado no Congresso e agora vai à sanção do presidente Jair Bolsonaro.

A Câmara concluiu na quarta-feira (6) a apreciação de emendas do Senado.

Há três ações de improbidade, ajuizadas pelo Ministério Público Federal e pela Petrobras, mirando partidos nas varas federais do Paraná. Elas foram abertas a partir de 2017, com base nas provas levantadas pela Lava Jato.

Diferentemente do que ocorre na esfera criminal, as ações de improbidade não visam a prisão, mas sim o ressarcimento de recursos públicos e sanções como a perda de função pública.

Esses processos abordam situações de enriquecimento ilícito, dano ao erário e de violação dos princípios da administração pública.

A principal mudança do pacote votado no Congresso é a exigência do dolo para a condenação por improbidade. Ou seja: será preciso comprovar no processo que houve a intenção de cometer a irregularidade. Essa novidade tende a dificultar as punições.

Os partidos tinham sido incluídos em ações de improbidade na Lava Jato com base em entendimento de que também podem ser processadas pessoas jurídicas que concorrem ou se beneficiam desses atos ilegais.

Essas ações não tramitam na mesma Vara Federal que julga os casos criminais, ocupada pelo ex-juiz Sergio Moro até 2018.
A ação que aborda valores mais elevados envolve, em conjunto, o PSB e o diretório do MDB em Rondônia e foi aberta há três anos.

Nesse processo, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, corte de segunda instância com sede em Porto Alegre, mandou bloquear provisoriamente um limite de até R$ 1,89 bilhão do MDB-RO e de R$ 816 milhões do PSB.

Calculados sobre contratos da Petrobras investigados e que teriam motivado propina paga por empreiteiras, os valores são de responsabilidade solidária entre os réus.

Na lista de processados, estão o atual líder do governo Bolsonaro no Senado, o pernambucano Fernando Bezerra (hoje no MDB, anteriormente no PSB), e o espólio do ex-presidenciável Eduardo Campos, que morreu em acidente aéreo em 2014.
A ação ainda está em fase de defesa prévia. Só em sentença é que seria definido quanto cada parte teria que pagar aos cofres públicos.

O MDB de Rondônia foi incluído por causa de doações de 2010 da construtora Queiroz Galvão em benefício do ex-senador Valdir Raupp.

Os repasses à época eram legais, mas, para a Procuradoria, se tratava de propina disfarçada. Na esfera criminal, Raupp foi condenado no ano passado por essa mesma acusação pelo STF (Supremo Tribunal Federal) a 7,5 anos de prisão, e hoje aguarda o julgamento de recursos.

O PSB se viu envolvido na Lava Jato com o surgimento de suspeitas de que se beneficiou de esquema de empreiteiras na Petrobras na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, estado governado pelo partido desde 2007, com Eduardo Campos.

No último fim de semana, a legenda voltou ao noticiário sobre a Lei de Improbidade Administrativa por causa de uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo, que suspendeu, a pedido da sigla, trecho da legislação que prevê a suspensão de direitos políticos a atos culposos de improbidade.

Para o PSB, o teor da lei contrariava o princípio da proporcionalidade das sanções expresso na Constituição.

Outra ação de improbidade relacionada a um partido é a que mira o PP, legenda das mais afetadas pela Lava Jato por causa de elo da sigla com um ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa.

Antiga aliada de presidentes petistas, hoje a legenda é uma das favoritas para abrigar em 2022 a candidatura presidencial de Jair Bolsonaro, que atualmente não tem filiação partidária.

Nessa ação, o Ministério Público Federal no Paraná pede que o partido e seus integrantes acusados devolvam ao menos R$ 460 milhões por danos provocados à Petrobras, além de pagar multa. Também nesse caso houve ordem de bloqueio de valores.

Os procuradores afirmam que, na diretoria investigada, as empreiteiras destinavam 1% do valor dos contratos e aditivos para integrantes do partido. Arthur Lira era réu, mas acabou sendo retirado do caso neste ano por ordem do ministro Gilmar Mendes.

O PT também se tornou alvo de uma ação de improbidade. A investigação tratava das obras da chamada torre Pituba, sede da Petrobras em Salvador onde supostamente teria havido pagamento de propina por parte das empreiteiras OAS e Odebrecht.

Em 2020, foi decretado o bloqueio de R$ 18,1 milhões das contas do PT. Neste ano, o comando do partido disse à Justiça que está com dois imóveis em São Paulo bloqueados e pediu o fim da restrição, alegando que “a indisponibilidade poderia gerar endividamento progressivo”, acabando por atingir trabalhadores contratados pela agremiação.

As ordens de bloqueio não atingem a principal fonte de financiamento dos partidos, que é o fundo partidário. Neste ano, esse fundo, composto por verba pública, distribuirá cerca de R$ 980 milhões.

O procurador Júlio José Araujo Junior, que integra a diretoria da Associação Nacional dos Procuradores da República, diz que esse aspecto da mudança na lei provocará problemas operacionais com a ida de casos para a Justiça Eleitoral, que atua primordialmente na organização das eleições. “A Justiça Eleitoral não dá conta desse tipo de acompanhamento [nos casos de improbidade].”

Além do trecho sobre os partidos, outros dispositivos aprovados no Congresso podem ser usados para arquivar casos, como um que barra ações de improbidade em casos em que houve absolvição penal sobre os mesmos fatos.

Partidos e políticos negam a prática de atos de improbidade

Procurado pela reportagem, o PP afirmou que “não há nenhuma relação entre a votação na Câmara e o processo citado” de improbidade. Diz que não há valores bloqueados e que todas as acusações estão sendo respondidas na Justiça.

O PSB afirmou que não iria comentar. À Justiça a defesa do partido disse que a acusação formulada pelo MPF se baseia quase que exclusivamente nas palavras de delatores.

O espólio de Eduardo Campos, à Justiça, afirmou que a ação deve ser anulada porque não se pode imputar ato de improbidade e enriquecimento ilícito, uma vez que “somente em vida ele poderia ser acusado e se defender”.

Também ao juiz, a defesa de Fernando Bezerra afirmou que não há indícios contra ele e que o Supremo, na área penal, já rejeitou denúncia sobre esses fatos.

A defesa do MDB de Rondônia afirma que os valores questionados são fruto de uma doação legítima e declarada à época. “O partido emitiu recibo eleitoral, fez constar na prestação de contas que o dinheiro veio”, diz o advogado José de Almeida Júnior, que também defende Raupp.

O PT não respondeu até a publicação da reportagem.

 

 

 

folhapress

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