Ministro da Saúde alimenta discurso antivacina para agradar Bolsonaro

Com o começo da imunização das crianças contra a Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro (PL) decidiu reforçar os questionamentos, a partir de dados distorcidos, sobre a segurança das vacinas.

O mandatário escalou ministros e aliados no Congresso para levantarem dados que alimentam discussões antivacina, em nova tentativa de agitar a base de apoiadores e minar as ações de governadores.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que aposta em agrados ao presidente para se agarrar ao cargo, tornou-se uma espécie de porta-voz desse esforço do governo.

O médico alterna, em discursos, elogios à compra e entrega das vacinas com acenos à ala bolsonarista que duvida da segurança e eficácia da imunização. Ele chegou a propor suspender a vacinação de adolescentes e abriu espaço a representantes do movimento contrário à imunização antes de liberar as doses para crianças.

Entre a população, no entanto, o apoio a essa fase da campanha é dado pela maioria: pesquisa Datafolha indica que a imunização contra Covid para crianças de 5 a 11 anos é defendida por 79% dos brasileiros com 16 ou mais anos de idade. Os que rejeitam são 17% –4% não souberam opinar.

Queiroga e a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) visitaram, na quinta-feira (20), uma menina de Lençóis Paulista (SP) que sofreu uma parada cardíaca e teve de ser hospitalizada horas após ser vacinada.

Mais tarde, quando a Secretaria da Saúde paulista já havia concluído que o episódio não teve relação com a imunização, Damares informou sobre a visita nas redes sociais, mas omitiu o laudo.

No Twitter, disse que teve encontro com a criança “hospitalizada após suspeita de parada cardíaca no mesmo dia em que recebeu a vacina contra Covid”. Queiroga curtiu a publicação e também não disse que o caso não estava relacionado à aplicação das doses, o que só foi reconhecido pela Saúde no dia seguinte (21).

Nas redes sociais, Damares afirmou que a visita à criança foi feita a pedido de Bolsonaro, que também telefonou para a família da menina.

Na quarta (19), o governo ainda apresentou, em tom de alerta, dados que indicam que mais de 20 mil crianças de 0 a 11 anos foram vacinadas antes do tempo até o fim de 2021.

Gestores do SUS e técnicos da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e da Saúde dizem que a informação pode ser imprecisa, incluir registros por erros de digitação, além de vacinados em pesquisas clínicas.

Levantado pelo Ministério da Saúde, o número foi usado em resposta do governo a ações no STF (Supremo Tribunal Federal) e destacado em declarações de Bolsonaro e dos ministros Queiroga e Bruno Bianco (AGU).

“Não podem os governadores irem aplicando vacinas a torto e a direito, tem de ter responsabilidade”, disse Bolsonaro à Jovem Pan na quarta.

“Não vivemos um momento de doenças de crianças, que estariam sendo aí intubadas, ou até perdendo a vida, que justificasse essa forma de vacinar”, disse ainda.

Auxiliares de Queiroga afirmam que, a pedido de Bolsonaro, o ministro cobrou mobilização para demonstrar que o governo está atento às reações adversas das vacinas.

Já gestores do SUS cobram de Queiroga apoio claro à vacinação das crianças, não só a inclusão das doses no Programa Nacional de Imunização.

Nesta semana, o chefe da Saúde visitou famílias das cerca de 60 crianças vacinadas com doses destinadas a adultos no interior da Paraíba.

O ministério já havia questionado em setembro de 2021 governadores sobre a possível vacinação irregular dos mais jovens. A pasta afirmou que recebeu resposta apenas de 11 das 27 unidades da Federação.

Queiroga também pediu a auxiliares atualizações sobre as investigações de reações adversas, mas acabou distorcendo essas informações em entrevistas e nas redes sociais.

Ele afirmou na segunda (17) à Jovem Pan que existem 4.000 mortes no Brasil “onde há uma comprovação de uma relação causal com a aplicação da vacina”. Alertado pela Folha e por auxiliares de que o dado estava errado, o ministro primeiro insistiu, mas depois afirmou que os óbitos estão sob investigação.

No dia seguinte, quando o número engrossava os debates antivacina nas redes sociais, Queiroga decidiu dobrar a aposta na informação errada.

Poucos casos em apuração acabam demonstrando um nexo causal –o governo reconhece 13 óbitos desse tipo em um universo de cerca de 160 milhões de vacinados com ao menos uma dose.

Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou sobre as declarações do ministro relacionadas às mortes ligadas à vacinação. Também não respondeu se o dado de imunização irregular de crianças está consolidado.

 

 

folhapress

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