Levantamento elaborado pelo UOL registrou ao menos 197 mortes no país, em 20 anos, em mega-assaltos classificados como “novo cangaço” ou “domínio de cidades”, marcados por uma crescente escalada da violência. Só nos últimos quatro anos, foram 140 óbitos —71% do total.
Com ao menos 30 criminosos, os grupos usam armas de grosso calibre, veículos blindados, explosivos com acionamento remoto, drones e fazem moradores como escudo humano para dominar cidades inteiras em assaltos a instituições financeiras. Essas quadrilhas afetaram áreas com 7,6 milhões de habitantes em mais de 20 cidades de 2016 para cá.
Segundo especialistas no tema, o “domínio de cidades” é um crime tipicamente brasileiro e representa o avanço da criminalidade em relação às ações conhecidas como “novo cangaço” por serem mais planejadas e perigosas, com ataques às forças de segurança. Como consequência, há também um avanço no índice de assassinatos. Essas ações deixaram mortos ao menos 170 suspeitos, 17 civis e 10 agentes mortos, aponta o estudo elaborado pela reportagem. Em um intervalo de apenas um ano —desde junho do ano passado—, foram 55 óbitos.
O caso mais recente ocorreu na madrugada desta sexta-feira (3), quando seis suspeitos de envolvimento em uma ação de “novo cangaço” foram mortos em confronto com policiais na rodovia TO-342, em Miranorte (TO). Dois dias antes, criminosos com fuzis explodiram bombas e fizeram moradores reféns para atacar duas instituições financeiras simultaneamente na cidade de Dois Irmãos (TO).
Para Marcos Paccola, tenente-coronel da PM de Mato Grosso, esses grupos criminosos “pensam ter maior capacidade de enfrentamento em relação à polícia e têm disposição para o confronto”.
“O alto índice de letalidade está diretamente ligado à perspectiva da ação criminosa”, afirma. ” Esses casos se assemelham ao que a gente chama de ‘terrorismo doméstico’, com domínio temporário do território”, afirma.
“É o ápice da atividade criminal especializada contra o ápice dos profissionais de segurança. Aí, há o enfrentamento. Infelizmente, tivemos baixas de civis e tivemos policiais que vieram a óbito. O caminho é a mobilização das forças de segurança para fazer operações simuladas”, diz Paccola.
Guarapuava
O caso mais recente envolvendo morte de um agente de segurança pública teve início na noite de 17 de abril, quando uma quadrilha invadiu Guarapuava (PR), a 250 km de Curitiba.
Em um ataque ao batalhão da Polícia Militar, o cabo Ricieri Chagas, que estava em uma viatura de saída da unidade, morreu ao ser atingido por um tiro na cabeça.
Segundo o tenente-coronel Valmor Racorti, ex-comandante do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar de São Paulo e especialista em ações de “domínio de cidades”, o risco nesse tipo de caso poderia ter sido minimizado com preparação adequada.
“O policial foi surpreendido ao ser alvo de diversos disparos. Mas, se for preparado com um plano de ação, pelo menos vai tentar compreender o problema mais rapidamente. Em ação com criminosos armados com fuzis, é preciso evitar conflitos em áreas urbanas para preservar a vida.” Mas Racorti entende que ainda há limitações na preparação contra os mega-assaltos.
“Não estamos acostumados a lidar com isso. Nem a polícia, nem a população. Já há simulações, recursos e aperfeiçoamento. Mas, até devido à dimensão do problema, ainda engatinhamos nesse tema. Estamos lidando com conflito urbano de alta intensidade e complexidade”, diz Racorti.
Segundo ele, o ideal é impedir que as quadrilhas consigam agir. “Se acontecer o evento, nós já estamos atrasados. Para isso, é preciso fazer o acompanhamento dos suspeitos e termos uma comunicação entre os estados para uma ação integrada. Esse tipo de crime envolve uma rede de atuação em todo o país”, explica. Contudo, o episódio em que foi possível monitorar o grupo é apontado como o caso mais letal em ações envolvendo grupos especializados em mega-assaltos. Na madrugada de 31 de outubro de 2021, uma operação em conjunto entre a Polícia Militar e a PRF (Polícia Rodoviária Federal) matou 26 suspeitos de planejar um assalto a banco, escondidos em um sítio em Varginha (MG).
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