Movimentação acima da capacidade financeira e nomeações de parentes mantém Ana Cristina próxima à Bolsonaro

No início de 2019, Ana Cristina Siqueira Valle se viu instada a rebater críticas numa rede social por ter publicado uma sequência de fotos antigas ao lado do ex-marido Jair Bolsonaro, àquela altura recém-empossado presidente da República: “Quando posto fotos antigas do Jair não é para afrontar ninguém (…) sou advogada e bem-sucedida”, escreveu.

À época, embora separados há mais de dez anos, fazia pouco tempo da exoneração dos últimos parentes de Ana Cristina que ainda constavam como assessores do clã Bolsonaro. No total, em duas décadas, 18 de seus familiares passaram pelos gabinetes, o que levou o Ministério Público do Rio a investigar indícios de “rachadinha” envolvendo funcionários fantasmas.

Desde então, apesar de uma candidatura frustrada a deputada federal, em 2018, usando o nome “Cristina Bolsonaro”, Ana Cristina manteve-se numa órbita não muito distante do presidente. Ao pedir sua quebra de sigilo bancário e fiscal de 2005 a 2020, o MP-RJ citou indícios de “movimentação acima da capacidade financeira” por parte de Ana Cristina no período, que inclui tanto a união estável com Bolsonaro — e as nomeações de parentes — quanto o período subsequente, marcado por transações imobiliárias e, mais recentemente, por incursões em Brasília que a colocaram na mira da CPI da Covid.

Na capital federal, onde passou a viver este ano com o filho, Jair Renan, numa mansão avaliada em R$ 3 milhões, Cristina atuou por nomeações em cargos do Ministério da Saúde e da Defensoria Pública da União (DPU), como revelam mensagens trocadas com o lobista Marconny Faria que chegaram à CPI. No celular de Marconny, o diálogo expõe a proximidade de Cristina com o entorno presidencial, seja na influência em nomeações, por meio de contato com ministros, seja em episódios privados. As conversas mostram pedidos do lobista para ela gravar vídeos de apoio a candidatos a prefeito no interior do Pará que queriam explorar a imagem de Bolsonaro e também convites a Ana Cristina para festas em um grupo que incluía a advogada Karina Kufa, que tem Bolsonaro como cliente.

As mensagens mostram que Kufa chegou a se preocupar, em setembro de 2020, que se espalhassem registros da presença de Ana Cristina no casamento da filha do ministro João Otávio Noronha, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) — a Corte analisa recursos do senador Flávio Bolsonaro no caso das “rachadinhas”. Marconny a tranquilizou, dizendo que iria “administrar isso”. No dia seguinte, a própria Cristina publicou fotos na festa com o filho, com o lobista e abraçada a Noronha.

Ao se lançar a deputada em 2018, Cristina frisou, em suas redes, ter “sempre trabalhado nos bastidores da política nacional”. E disse à revista “Época” que poderia revelar “coisas picantes sobre o Jair” caso não recebesse apoio naquela eleição. Em janeiro deste ano, pouco antes de se mudar para Brasília, Cristina afirmou ao portal UOL que decidira escrever um livro sobre o casamento com Bolsonaro para “contar tudo, o ruim e o bom”.

Nos cerca de oito anos de relacionamento, de 2000 a 2008, Cristina foi chefe de gabinete do vereador Carlos Bolsonaro. Nesse período, segundo o MP-RJ, supostos funcionários “fantasmas” de Carlos foram registrados na Câmara do Rio como moradores de endereços em nome do então deputado Jair Bolsonaro. Após comprar em 2006, junto com Bolsonaro, cinco terrenos em Resende (RJ) por R$ 160 mil, Cristina os revendeu em 2011 por R$ 1,9 milhão, numa valorização de 1.100% que chamou a atenção dos promotores. Em paralelo a isto, sua empresa Valle Ana Consultoria realizou, de 2008 a 2014, 1.185 saques em espécie totalizando R$ 1,1 milhão.

Um relatório do Coaf, citado pelo MP-RJ, apontou “movimentação atípica e incompatível com os dados cadastrais” de Ana Cristina.

A ex-mulher de Bolsonaro ainda mantém com o primeiro marido, o militar reformado Ivan Ferreira Mendes, sociedade numa empresa de computação que, segundo o Coaf, também apresenta movimentações “incompatíveis com a capacidade financeira declarada”. As defesas de Ana Cristina e de Carlos não quiseram comentar.

 

 

globo

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