Ao acordar na manhã de 1.º de janeiro, o publicitário Walter Costa, de 58 anos, notou que havia algo diferente. Dirigiu-se, então, até uma das janelas do apartamento de 5.º andar onde mora, em um prédio na Vila Nova Conceição, zona sul paulistana, e observou mais aviões passando por perto do Parque Ibirapuera do que antes. “Imaginei que poderia ser por conta de alguma obra no aeroporto, mas os voos não pararam nos dias seguintes”, disse ele, que passou a ter dificuldade para dormir e fazer home office.
Após pesquisar mais a fundo, Costa descobriu que um novo projeto do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) alterou as rotas de voo do Aeroporto de Congonhas, que está em vias de ser concedido à iniciativa privada. As mudanças começaram em maio do ano passado e, com a retomada gradativa de viagens após o pior período da pandemia de covid-19, passaram a ser sentidas em maior intensidade a partir de janeiro deste ano.
As reclamações por ruído nos arredores do aeroporto feitas à Infraero, órgão que administra os aeroportos, foram de 13, nos cinco últimos meses de 2021, para 816, de janeiro a maio – alta de 6.176%. Já o Decea fala em redução do ruído geral.
Morador do mesmo endereço há 30 anos, Walter teve de investir R$ 8 mil em isolamento acústico das janelas do apartamento onde vive para reduzir os efeitos da mudança. “Só assim consegui voltar a trabalhar”, disse.
RECLAMAÇÕES
Segundo representantes de associações dos bairros afetados, como Moema e Jardim Lusitânia, houve alta na procura de moradores para fazer reclamações sobre ruído de avião e piora considerável na qualidade de vida em locais que antes não estavam sob a rota dos voos e que nem sequer previam que isso poderia ocorrer.
Representantes de entidades de oito bairros se uniram nos últimos meses para pressionar os órgãos públicos a rever a mudança de rotas no Aeroporto de Congonhas ou mesmo a tomar ações para diminuir os impactos nos locais afetados, como instalar barreiras contra ruído no sítio aeroportuário e criar um fundo para auxiliar no isolamento acústico de casas e prédios afetados.
O grupo se diz ainda preocupado com os impactos ambientais e relata que os aviões têm passado mais próximos de áreas verdes, como o Parque Ibirapuera. “Nós somos a favor da concessão, que o desenvolvimento da cidade aconteça, mas de uma forma mais amigável com a população”, explicou o presidente da Associação dos Moradores e Amigos do Jardim Lusitânia (Sojal), Nelson Cury, de 65 anos.
A avaliação é compartilhada por integrantes de associações de bairros como Campo Belo, Vila Mariana, Jardins e até Paraíso, que não fica tão perto assim do aeroporto. Presidente da Associação Viva Paraíso, o psicólogo Marcelo Torres, de 69 anos, explica que desde o fim do ano passado começou a haver um número significativo de moradores insatisfeitos com relação ao barulho de aeronaves no espaço aéreo do Paraíso. “Aqui não era rota e nunca foi, mas passou a ser.”
“Alguns voos saem de Congonhas, passam próximo do Parque Ibirapuera e vem pegando altura no Paraíso. E é bem grande o ruído”, complementou.
Diante disso, Marcelo explicou que se aproximou de representantes de outras entidades para unificar as queixas – o grupo já participou de reuniões com órgãos de aviação civil e de audiências públicas na Câmara Municipal e na Assembleia Legislativa de São Paulo. Marcelo reclama, porém, que a mobilização ainda tem produzido pouco efeito prático.
“Ficamos sabendo só depois do que aconteceu. A gente acordou com o barulho na nossa cabeça”, disse a diretora da Associação Viva Moema, a empresária Simone Boacnin, de 55 anos. Para ela, o prejuízo ficou todo para prédios, casas, escolas e hospitais antes não afetados. “O que a gente quer é que haja um equilíbrio entre o interesse econômico e a população.”
GERÊNCIA DO ESPAÇO AÉREO
A mudança das rotas de avião foi implementada por meio do projeto TMA-SP Neo. Conforme o Decea, órgão subordinado à Força Aérea Brasileira, o objetivo foi “aprimorar a eficiência na gerência do espaço aéreo para acomodação da demanda atual e a projetada para os próximos dez anos”.
Na prática, o projeto, que também inclui os aeroportos de Guarulhos, Campinas e São José dos Campos, ramificou as rotas dos aviões – principalmente durante o procedimento de decolagem – para possibilitar mais viagens.
Com a alteração, o Decea informou que as aeronaves passaram a atingir de forma antecipada o chamado nível de cruzeiro, quando o avião consome menos combustível, e disse ainda que, com isso, houve “redução na emissão de CO2 (gás carbônico) e nos gastos com combustíveis, além da dispersão das curvas de ruído”. “Este fato é comprovado pela administradora do Aeroporto de Congonhas ao emitir relatório atestando a redução em 15,18% nas curvas de ruído com as novas rotas”, afirmou o órgão.
O Decea argumentou que, “considerando que o Aeroporto de Congonhas se situa em área densamente povoada, não é possível desenhar rotas sobre áreas desabitadas”. Nesses casos, o órgão afirmou aplicar técnicas de redução de ruído previstas em regulamentos da Organização Internacional da Aviação Civil para dispersar o ruído em áreas densamente povoadas e mitigar o impacto nas populações atingidas.
A Anac informou, em nota, que o aeroporto possui um Plano Específico de Zoneamento de Ruído (PEZR) “devidamente registrado” na agência. “Como ocorreram alterações em rotas e procedimentos de pouso e decolagem em Congonhas, devido ao Projeto TMA-SP Neo, a Infraero está elaborando um novo PEZR do aeroporto”, acrescentou. Não foi especificado prazo.
A Prefeitura de São Paulo informou, em nota, que um grupo de trabalho foi constituído para analisar os aspectos técnicos sobre a regulamentação do zoneamento de ruído aeroportuário e sua interface com a legislação municipal. “A CODUSP (Coordenadoria de Defesa do Usuário do Serviço Público) aguarda um levantamento de informações técnicas das pastas envolvidas no processo para dar continuidade numa possível mediação de conflitos.”
A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) disse estar “analisando os impactos dos níveis de ruído”.
ag.estado