A escassez de chuvas em boa parte de Mato Grosso do Sul e em Mato Groso, que os meteorologistas atribuem ao fenômeno El Niño, está atrasando a recuperação do nível do Rio Paraguai e impedindo o reinício do transporte pela hidrovia.
Neste sábado (3), na régua de Porto Murtinho, o rio amanheceu com apenas 1,73 metro, o que é quase um metro abaixo daquilo que era registrado no mesmo período do ano passado e o pior nível em pelo menos oito anos. Em Ladário a situação não é diferente, o que impede o início dos embarques de soja e minério.
Em 2023, os embarques de soja começaram no dia 15 de fevereiro em Porto Murtinho, quando o rio estava com 3,4 metros, profundidade suficiente para que os comboios deixassem o porto com sua capacidade máxima, de até 39 mil toneladas, o que equivale a 975 carretas.
No melhor momento, em 8 de março, o rio chegou aos 5,94 metros na régua de Porto Murtinho. E essa cheia foi fundamental para que fossem despachados 1,62 milhão de toneladas de soja a partir de Porto Murtinho, o que representa quase 12% de toda a safra de Mato Grosso do Sul. Com água suficiente e por conta da demanda das indústrias argentinas, os embarques foram possíveis até o começo de novembro.
Agora, de acordo com Genivaldo dos Santos, gerente de operações portuárias da FV Cereais, nenhum embarque está confirmado ainda. Mesmo assim, ressalta, ainda existe a expectativa de que a hidrovia volte a ter condições de transporte até o fim de fevereiro.
Mas, a não ser que sejam registradas chuvas muito intensas nas próximas semanas, algo que não está no radar dos meteorologistas, já que o El Niño deve permanecer até abril, não existe expectativa de que o rio suba ao ponto de garantir o transporte ainda em fevereiro.
Isso porque o volume de água para descer é muito baixo. Na régua de Ladário, que serve como principal parâmetro para medir as cheias, a nível estava em apenas 66 centímetros neste sábado. Nos sete anos anteriores cujos dados estão disponíveis no site da Marinha, nesta época do ano o rio já estava em pelo menos 1,25 metro. Em 2018, ano de cheia, já estava em 3,26 metros.
Outro importante indicador de que neste ano a situação tende a ser pior até mesmo do que em 2020 e 2021, quando na régua de Ladário o nível chegou a ficar 60 centímetros abaixo da cota zero, é a falta de água na região de Cáceres, em Mato Grosso.
É de lá que vem o principal volume de água para encher o Rio Paraguai e alagar o Pantanal. Neste sábado, porém, a medição da Marinha aponta que o nível está em 1,78 metro. Na mesma data do ano passado, estava em 3,72.
Desde o início da temporada das chuvas, em outubro do ano passado, o rio superou os dois metros apenas durante 20 dias, mas nenhuma vez chegou perto dos três metros.
Em anos anteriores ele ultrapassava os dois metros ainda em novembro e permanecia entre dois e três metros até o fim do período chuvoso. Em fevereiro do ano passado, por exemplo, permaneceu na casa dos quatro metros praticamente o mês inteiro na região de Cáceres.
PERSPECTIVAS
Embora deixe claro que ainda é cedo para taxar se haverá ou não cheia no Pantanal neste ano (4 metros na régua de Ladário), o pesquisador Carlos Roberto Padovani, da Embrapa Pantanal, lembra que quatro dos seis meses chuvosos na bacia pantaneira já se passaram e a chuva ficou muito abaixo da média. “Em dezembro foi menos da metade na cabeceira de praticamente todos os afluentes e nas nascentes do Rio Paraguai”, explica ele.
Por isso, lembra, “é muito provável que tenhamos muitas dificuldades no transporte hidroviário. Além da falta de chuva, enfrentamos meses de intenso calor e isso influencia fortemente na queda rápida do nível das águas, já que a evaporação tem papel fundamental sobre a bacia pantaneira”, segundo o pesquisador.
E quando ele fala em transporte hidroviário ele se refere principalmente ao escoamento de minérios a partir dos portos de Ladário e Corumbá. Ao longo do ano passado foram transportados 5,8 milhões de toneladas pela hidrovia, o que foi 40% mais que no ano anterior e volume recorde desde que a Antaq acompanha os embarques.
Em 2023, os embarques começaram a partir de meados de janeiro, quando o nível do rio passou de um metro em Ladário, e continuaram até o começo de novembro, quando voltou a ficar abaixo disso.
Enquanto o nível não ultrapassa de 1,5 metro, porém, os comboios descem sem carga máxima. Neste ano, contudo, por conta da falta de água, não existe perspectiva nem mesmo para que as barcaças comecem a descer com meia carga,
Enquanto isso, cerca de 350 carretas com 70 toneladas de minérios saem diariamente da região de Corumbá e percorrem a unica rodovia asfaltada que cruza o Pantanal, a BR-262, que também está longe de estar nas melhores condições. Desde março do ano passado está com o sistema de pare-siga sobre a ponte no Rio Paraguai.
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